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segunda-feira, 12 de outubro de 2009

CRIACIONISMO

Uma publicação do Geoscience Research Institute (Instituto de Pesquisas em Geociências)
Estuda a Terra e a vida: sua origem, suas mudanças, sua preservação.
Edição em língua portuguesa patrocinada pela DSA da IASD com a colaboração da SCB
APRESENTAÇÃO DO DÉCIMO QUARTO NÚMERO DE
CIÊNCIAS DAS ORIGENS
TRADUZIDO PARA A LÍNGUA PORTUGUESA
A Sociedade Criacionista Brasileira,
dentro de sua programação editorial, tem
a satisfação de apresentar o décimo quarto
número deste periódico (segundo número
anual de 2007), versão brasileira de “Ciencia
de los Orígenes”, editado originalmente
pelo “Geoscience Research Institute” (GRI)
nos E.U.A.
Como sempre, ficam expressos os
agradecimentos da Sociedade Criacionista
Brasileira a todos os que colaboraram para
possibilitar esta publicação em língua portuguesa,
e particularmente, a Roosevelt S. de
Castro pelo excelente trabalho de editoração
gráfica. Renovam-se também os agradecimentos
especiais à Divisão Sul-Americana
da Igreja Adventista do Sétimo Dia, na pessoa
de seu Presidente, Pastor Erton Koehler,
pela continuidade do apoio à publicação
deste periódico.
Ruy Carlos de Camargo Vieira
Diretor-Presidente da
Sociedade Criacionista Brasileira
Segundo Semestre de 2007 Nº 14
COSMOVISÃO CRIACIONISTA:
A ESTRUTURA DO NOSSO PENSAMENTO
Dr. Victor M. Armenteros Cruz, Universidad Adventista del Plata
Darwin não inventou o evolucionismo.
Em 1856, três anos antes da publicação
de seu livro Origins of Species, foi publicada
uma série de conferências na cidade
de Stuttgart, por Johan J. Bachofen (Das
Mutterrecht) nas quais se tratava da evolução
das estruturas familiares e políticas.
Algo semelhante aconteceu com o texto de
Henry Maine, intitulado Ancient Law, e seu
estudo muito ao gosto de Montesquieu ou
de Adam Ferguson sobre a evolução das
leis. Como disse Marvin Harris a respeito
desses textos: “...(isso) demonstra claramente
que não foram as teorias de Darwin
as que desencadearam a onda de publicações
evolucionistas que começaram a ser
produzidas imediatamente após o livro Origins
of Species.” 1.
A teoria começou a germinar com a
origem e o estabelecimento de colônias na
África e nas Américas. O cristianismo ocidental
e sua cosmovisão, a partir do século
XVI, entra em choque com outras culturas,
com outras cosmovisões. Em 15 de fevereiro
de 1493, Cristóvão Colombo escrevia
uma carta a Luis Santángel na qual o
informava de que não havia encontrado
“homens monstruosos” 2 em suas viagens
pelas ilhas do Caribe. A partir da consideração
daqueles habitantes da América
possivelmente como monstros, surgiram
diferentes debates, alguns levando a tristes
conclusões a respeito de raça 3, educação,
cultura, predestinação ou animalidade. As
posições se polarizaram, dando oportunidade
a tantas opiniões quantas informações
díspares por parte dos colonizadores.
De indígena virgem e inocente passou-se
ao conceito de primitivismo e aos diferentes
matizes do “progresso” 4 da humanidade.
Esta semente brota com o Iluminismo.
Desde que John Locke publica An Essay
Concerning Human Understanding (1690),
até a eclosão da Revolução Francesa,
constrói-se um edifício conceitual que irá
desaguar na mentalidade evolucionista.
Esta mentalidade (da mesma forma que o
Criacionismo), tem estrutura de macroideologia.
Ela incorpora e interpreta cada dado
da realidade encaixando-os nos seus parâmetros
de significação. Essa estrutura
se converte em cosmovisão, que irremediavelmente
gera um choque com a mentalidade
criacionista. Toda macroideologia
é excludente e reage diante de qualquer
tipo de harmonização em face de outras
macroideologias (uma exceção é o pensamento
New Age que, na mesma forma
do ecletismo do passado, faz repousar seu
eixo de ação na inclusão e na adaptação).
Apesar das intenções de Teilhard de Chardin
e de seus seguidores, Evolucionismo e
Criacionismo continuam sendo incompatíveis
entre si pela sua própria essência.
Ao apresentar algumas dessas incompatibilidades,
é perfeitamente lícito perguntar-
se: por que é necessário esse contraste?
Entendo que uma compreensão clara
de ambas as cosmovisões nos permitirá
situarmos, posicionarmos e oferecermos
alternativas que permitam a transferência
dos dados teóricos para a práxis cotidiana.
Entendo, ainda, que um estudo detalhado
da protologia afeta inexoravelmente a
escatologia. O Adventismo é resultado de
uma reflexão escatológica, que se deve a
uma fundamentação protológica. A exposição
das primeiras coisas modifica e altera
a percepção das posteriores.
Alguns exemplos da História nos mostram
que a protologia faz variar o comportamento
de uma estrutura social. Nas religiões
mesopotâmicas encontramos relatos
das origens do mundo e da humanidade,
que registram a ação de deuses violentos.
O homem surge num ambiente de escravidão
e agressão. 5
2 Nº 14 Ciências das Origens
A escatologia, e da mesma forma a
política mesopotâmica, respondem a estes
cânones. A Assíria gera uma protologia
violenta, que se transforma em um
império expansionista e sangrento, que
inunda seu panteão com demônios e seus
sortilégios atemorizantes. A Grécia nãomítica
surge da imprecisão filosófica, da
especulação que se torna em imprecisão
existencial. O Judaísmo rabínico vincula a
Torá à origem da criação, e esse conceito
resulta em uma religiosidade e uma escatologia
que se fundamenta em atitudes
nomológicas.
Algo semelhante acontece com a
protologia que sustenta o Criacionismo.
A protologia que nos propõe a Bíblia parte
de premissas que irremediavelmente
afetam a escatologia, afetando, portanto,
as nossas concepções atuais. O fato de
Deus, como Criador, ser o sujeito essencial
da origem do cosmos e da humanidade,
projeta-O ao futuro escatológico como
um Deus redentor, que é, por sua vez, o
sujeito que reabilita o universo e redime
o ser humano. O fato de Jesus participar,
como indica o Novo Testamento, no ato
criativo, posiciona-O na escatologia uma
vez mais como agente de mediação entre
o Criador e suas criaturas. O fato de
Gênesis 1 insistir na expressão divina
de que o resultado da Criação foi “muito
bom”, nos leva a defender a excelência
da natureza (relativamente ao hábitat artificial
como espaço vital do ser humano)
e a confiar na restauração desse estado
de coisas. O fato de que tanto o capítulo 1
de Gênesis como o 2 nos mostram como
seres humanos completos, resultado de
um monismo que não distingue o físico
do espiritual, nem em essência nem em
qualificação (o corpo é tão bom quanto
o espírito), nos leva à crença de um ser
humano transformado que vai residir tanto
no físico quanto no espiritual (opondo-se
a representações incorpóreas de cortes
angelicais ou demoníacas). O fato de o
relato da criação concluir com o clímax
do descanso sabático, o projeta em um
referencial escatológico que supera as
questões temporais para alcançar o significado
de pacto, identidade ou compromisso.
O fato de que a estrutura familiar
que propõe o relato protológico da Bíblia
é monógama, heterossexual e com caráter
de aliança, nos leva, nestes tempos de
controvérsia, à defesa da família nuclear
que reforça a paridade e a identificação de
papéis. O relato de Gênesis afirma que o
ser humano tem uma missão: proteger a
Terra. A escatologia deve aprofundar-se
nesse projeto ecológico para fomentar o
respeito pelo Criador e pela criação.
Tal fundamentação protológica nos
obriga, quando menos por coerência retórica,
a refletir sobre os parâmetros de
pensamento próprios do Criacionismo.
DESENVOLVIMENTO DA RELIGIÃO
Uma das mais notáveis discussões
entre os evolucionistas é a origem da religião
e suas diferentes etapas evolutivas. O
evolucionismo tende a propor uma primeira
etapa mágica, vinculada aos elementos da
natureza, que se concretiza no Animismo.
O proto-humano não está capacitado para
compreender as forças naturais que o rodeiam,
e atribui a elas valores de poder extraordinário.
Na segunda etapa, o homem
atribui a tais elementos naturais características
antropomórficas. As tempestades no
mar vinculam-se, em numerosas culturas
do Oriente Próximo, a Hadad, a Yama ou
a Poseidon. A beleza de um amanhecer,
ou o brilho intenso de uma estrela, personificam-
se em Istar, Afrodite, ou em certas
deusas filistéias. Os ciclos de seca e chuva
na Bacia Mediterrânea relacionam-se com
Baal ou com diferentes “deuses ociosos”. É
gerado o “Politeísmo”, tão variado quanto
as diferenças climáticas, geográficas ou
catastróficas existentes. A terceira etapa
coincide com o Henoteísmo. Um dos diversos
deuses do panteão de cada religião
destaca-se sobre os demais, incorporando
proeminência e poder. São os exemplos de
Marduque ou de Zeus (e, inclusive em certos
períodos greco-romanos, de Dionísio).
Na quarta etapa, o Deus proeminente fica
independente do seu panteão e se projeta
como único Deus. Achamo-nos então
diante do “Monoteísmo”. Com o tempo, o
homem, muito mais racional, afasta-se da
pressão religiosa e propõe opções como o
“Deísmo” ou o “Agnoticismo”, sendo essa
a quinta etapa. O resultado final, a sexta
etapa, de todo esse processo religioso,
chega ao clímax da evolução humana com
o “Ateísmo”, já sem necessidade de Deus
(a Quem nem sequer se associa como causa
primeira ou energia universal).6
Estas etapas transcendem o âmbito
coloquial usual, encontrando-se até em
considerações feitas por criacionistas.
“As religiões primitivas” é uma expressão
que faz referência a períodos mágicos ou
animistas. “A religião dos patriarcas” se
destaca, inclusive em autores do âmbito
criacionista, em um entorno henoteísta. A
proposta criacionista para a evolução da
religião, entretanto, é totalmente diferente
desta que foi exposta, e se associa com o
conceito de “involução”. A única etapa que
é esquematizada dentro do texto de Gênesis
é a do “Monoteísmo”. Um Monoteísmo,
além disso, que exclui taxativamente qualquer
outro objeto de adoração. O pecado
transtorna essa relação Deus-Homem e
gera variações que cada vez mais se afastam
do modelo original. O interesse por
certas “banalidades” 7 configurará uma religiosidade
henoteísta que posteriormente
se desenvolve em um âmbito politeísta. O
afastamento do ser humano com relação
aos valores originais o separa, por sua vez,
da clareza mental suficiente para interpretar
a natureza. O ser humano se animaliza
e percebe o seu âmbito sob perspectivas
animistas ou mágicas. Excluir, por outro
lado, as estruturas religiosas da sociedade,
propondo somente cosmovisões materialistas,
afasta o homem de Deus, levando-o
a percepções deístas agnósticas ou ateístas.
As categorizações coincidem nas duas
cosmovisões, porém a interpretação de
suas funções é completamente diferente.
No Evolucionismo, o desenvolvimento é
linear diacronicamente, e avançando positivamente:
Estado inicial primitivo
ANIMISMO
POLITEÍSMO
HENOTEÍSMO
MONOTEÍSMO
DEÍSMO / AGNOSTICISMO
AGNOSTICISMO
ATEÍSMO
Estado final evoluído e positivo
No Criacionismo se propõe um desenvolvimento
modificável diacronicamente e
em um retrocesso negativo:
Estado inicial modelar
MONOTEÍSMO
1. Involução em direção à animalidade
HENOTEÍSMO
POLITEÍSMO
ANIMISMO
2. Involução em direção à alienação
DEÍSMO
AGNOSTICISMO
ATEÍSMO
Estado final involuído
e negativo
No processo esquematizado pelo Evolucionismo
é fácil concluir que o interesse
de grandes comunidades religiosas para
manter sua identidade monoteísta deve
ser qualificado como fundamentalismo e,
portanto, processo evolutivo anterior ao
da racionalidade – processo a ser evitado
e desqualificado. A percepção do religiosamente
modificado (seja por uma involução
em direção à animalidade ou em direção à
alienação) gera no criacionista, entretanto,
um desejo de mostrar o modelo original em
direção ao qual se pode avançar para se
encontrar com sua verdadeira identidade.
Enquanto que, numa primeira proposta,
o clímax de todo o processo religioso é
o homem e sua independência moral, na
proposta criacionista, muito ao contrário,
o ser humano é uma criatura dependente,
que acha nesta dependência a sua identidade
e seu crescimento. Na proposta
evolucionista, a auto-satisfação (conclui-se
que estamos no cume da capacitação da
Nº 14 Ciências das Origens 3
pirâmide evolutiva) obscurece a realidade
atual do mundo: a ausência de moralidade
gera o caos e a auto-destruição (resultados
que não coincidem com a utopia social do
Evolucionismo).
A proposta evolucionista do desenvolvimento
diacrônico das religiões afeta notavelmente
o estudo do desenvolvimento
sincrônico do ser humano. A Psicologia
Evolutiva deve reconhecer etapas no processo
da formação do homem, semelhantes
aos processos históricos mencionados
previamente. As propostas de Piaget ou
Kohlberg 8 poderiam ser resumidas em
Tais esquematizações parecem entrar
em conflito com a proposta de Cristo, de
que sejamos como crianças. Temos de
voltar, portanto, a uma etapa fundamentada
no egoísmo e na auto-complacência?
O criacionista cristão vê-se impelido a dar
uma resposta correta no âmbito de sua
cosmovisão. Uma alternativa (fora das premissas
do imperativo categórico kantiano
que motivam os conceitos kohlbergianos)
deveria residir na reformulação do conceito
de “maturidade espiritual”, separando-o da
“maturidade fisiológica”. Pode uma criança
ser madura espiritualmente, embora não
tenha concluído seu desenvolvimento físico?
Entendo que sim, embora isso precise
ainda ser objeto de um estudo pormenorizado.
CONCEITO DE TEMPO
A compreensão do tempo no Evolucionismo
é o eixo sob o qual se escondem
suas possíveis incongruências. A teoria se
fundamenta em amplos intervalos de tempo
que, em sua extensão, permitem uma
multidão de probabilidades, que são necessárias
para a sua coerência. O tempo
da vida, a menor escala, é concebido como
cíclico. Um ciclo é o desenvolvimento da
história com suas sociedades emergentes
e decadentes. Outro ciclo é a vida humana
com seus períodos de progressos e crises.
Unindo os parâmetros de extensão e de repetição,
conclui-se que a presença do ser
humano no mundo é sumamente insignificante
e passageira. O passado e o futuro
diluem-se na imensidão do amálgama de
momentos.
O resultado prático, ao não se perceber
qualquer sinal concreto de origem (passado)
e de destino (futuro), é viver o momento,
o dia-a-dia. A busca da felicidade imediata
é um anelo lícito nas proposições do Evolucionismo,
já que as pessoas não se concebem
como meros transmissores de carga
genética.
Para o criacionista, entretanto, existe
um passado e um futuro concretos, apesar
de que, antes e depois do pecado, o tempo
adqüire conotações distintas. O valor do
tempo resulta, única e exclusivamente, do
mais trágico dos efeitos do pecado: a morte.
A morte supervaloriza cada instante, e particularmente
o futuro. É por isso que, para
o crente, a redenção é a única solução que
rompe o vínculo temporal que o pecado gerou,
e que permite chegar a um horizonte
de maior amplitude. A história, se bem que
tenha a tendência a repetir-se, mais do que
um ciclo é um solenóide que, partindo da
origem do mundo, se alonga até um futuro
ideal. Esta esquematização dá sentido à
história, e esclarece a participação de Deus
nela. O passado não se dilui, permite-nos
uma compreensão do decorrer dos tempos
e mostra como Deus intervém nos processos
históricos. Tampouco se dilui o futuro,
pois ele forma parte do projeto redentor,
projeto que reivindica o ser humano como
pessoa de valor. A pessoa não só é transmissora
de vida, mas é aquilo que contém
a vida. No Criacionismo, a promessa de
vida eterna concede identidade ao ser humano.
O resultado prático, ao consolidar-se
a origem e o futuro, é viver uma felicidade
razoável com um chamado à missão de solidariedade,
empatia e respeito por cada ser
humano.
CONCEITO DE DEUS
Como indiquei previamente, quando comentei
o processo evolutivo das religiões,
Deus para o Evolucionismo é uma etapa
histórica no desenvolvimento do ser humano.
A mentalidade telúrica concretiza-se em
estádios antropomórficos e destes ao Teísmo
e posteriormente ao Deísmo. O Deísmo
foi concebido desde os tempos do Iluminismo
como característica de seres humanos
evoluídos. Deus se faz cada vez mais longe
e ausente, até não mais se tornar necessário.
A sociedade que progride é aquela na
qual Deus morreu ou foi substituído pela ciência
ou pelo materialismo.
No Criacionismo, Deus não pode ser um
agente passivo. Deus cria, porque pode. É
um Deus transcendente, que supera os limites
e capacidades do ser humano e da
natureza que o rodeia. Deus não é uma
imagem abstrata do ser humano. O ser humano
é imago Dei, a concretização limitada
da imensidade divina. Ao criar e relacionarse
com o homem, percebemos a Sua imanência.
O Deus Criador anela comunicar-se
com o ser humano. É um Deus que dialoga
e está perto. Esta aparente dualidade,
transcendência e imanência supera qualquer
teoria sistematizadora do divino. É a
essência de um Deus que cria e que, além
disso, redime. A percepção criacionista de
um Deus criador tanto da ordem como do
amor, de um Deus redentor que traz soluções
em consonância com o ser humano,
supera qualquer explicação evolucionista.
O conceito de Deus que reside no coração
humano não pode ser a resposta de um processo
evolutivo, pois que se expande para
além da capacidade intelectiva deste ser. O
animal selvagem que é domesticado por um
domador jamais teria podido conceber por
si mesmo o cuidado ao qual se submete; o
afeto que recebe se torna seu por influência
externa. De igual maneira acontece com o
conceito de um Deus amoroso e receptivo
– como se pode concebê-lO a partir do
ponto de vista da estrutura evolucionista, da
sobrevivência do mais forte?
CONCEITO DE PESSOA
Para o Evolucionismo, a pessoa não é
mais do que um material genético do processo
evolutivo. Neste processo sobrevive
o mais apto, o mais forte, aquele que tem
melhor capacidade de adaptação. Tal esquematização
conduz inexoravelmente à
competitividade. Este conceito é essencialmente
inseparável dos povos com percepções
materialistas. É usual escutar-se
ou ler-se “quem ou o que é melhor que...”.
As relações humanas se expressam em
orações comparativas (muitas são superlativas)
que entram em conflito com propostas
de auto-realização. Tal auto-realização,
embora muito apregoada nos livros de autoajuda,
não pode conviver com a competitividade,
a menos que se fundamente em
elementos exteriores ao ser humano (materialismo
e “despersonalização”). Além disso,
uma pergunta se faz constantemente sobre
a teoria: quem define qual é o mais apto?
O acaso? Os elementos naturais? Por não
existirem universais que estabeleçam a estrutura
sobre a qual construir os valores do
mais apto, resulta uma liberdade sem limites
conceituais. A liberdade sem restrições
é associada a um bem comum, quando na
realidade mascara a incapacidade de gerar
universais e o caos. O ser humano termina
sendo material e social, um ente anônimo
no processo evolutivo.
Para o Criacionismo, o homem é concebido
como um ser completo, “pouco menor
do que os anjos”. Em seu projeto existe
mais do que utilidade. Nele reside beleza e
bondade. O Criacionismo não propõe a sobrevivência
do mais apto, mas sim a sobrevivência
de todos (e não só no imediatismo
1. Etapa Subjetiva Individual: egoísta e hedonista
(magia/animismo?)
2. Etapa Subjetiva Coletiva: dependente de autoridades
(politeísmo/monoteísmo?)
3. Etapa Objetiva Individual: independente de autoridades
(agnosticismo/ateísmo?)
4 Nº 14 Ciências das Origens
desta vida). Insiste em que é necessário
superar o desequilíbrio da competitividade
e explorar as sendas do cooperativismo.
Cada ser humano é receptor de quantidade
tal de virtudes, que deve desfrutar de sua
identidade, de sua peculiaridade. Deve praticar
a paz como projeto de auto-realização
e de interrelação. É concebido como um ser
com liberdade limitada, porquanto é criatura
e não criador. A criatura, por essência, é
dependente, e isso a faz sentir-se protegida
e amada (sensações que ela projeta protegendo
e amando). A pessoa é muito mais
do que material social; é um ser estimado.
CONCEITO DE FAMÍLIA
A família, no conceito evolucionista,
responde a múltiplas possibilidades. Pode
situar-se em uma estrutura local, poliândrica,
poligâmica, patrilinear, matrilinear, nuclear,
monoparental ou complexa. Ao Evolucionismo
não interessa muito a estrutura
familiar, sempre e quando seja cumprido o
objetivo de qualquer relação humana: a procriação.
A transmissão de material genético
adequado e com êxito seria a razão última
de uma estrutura familiar. Como isso afeta a
estrutura social? Nas sociedades do primeiro
mundo, se concretiza no relativismo da
célula familiar, seja por seus componentes,
por sua temporalidade ou por sua essência.
Os componentes de uma família já não responderão
ao modelo nuclear de um casal
heterossexual, e sim superarão os limites
de número (poligamia sucessiva, intercâmbio
de parceiros, aventuras amorosas), de
gênero (homossexualidade) e até mesmo
de espécie. A temporalidade e a ruptura
de uma relação justifica-se com argumentos
baseados em certos índices hormonais
(confunde-se, portanto, amor com paixão). A
fidelidade passa a ser um conceito judaicocristão
superado. A essência da estrutura
familiar resume-se, assim, na sexualidade,
e supostamente no prazer que a circunda.
Esta percepção, finalmente, despersonaliza
a pessoa e sublima o instinto. A felicidade
individual é posta acima da felicidade compartilhada.
O interessante é observar que
no chamado “primeiro mundo” não há maior
produção procriadora do que em sociedades
claramente religiosas. A mais “evolução”
corresponde menos procriação.
No Criacionismo, a família primígena é
nuclear. O ser humano é a soma do masculino
com o feminino. O casal surge de um
estado de paridade no qual a relação se
sustenta pelo apoio mútuo. A relação é heterossexual,
supera os limites da procriação
(aprofundando em sentimentos e projetos) e
se concebe como perdurável. Depois do pecado,
amplia-se a sua necessidade com o
objetivo de desenvolvimento de caracteres
aptos para a redenção. No Criacionismo, o
ser humano é pessoa e não coisa. A família
é o espaço onde as pessoas se formam,
se instruem, se expressam e se preparam.
A procriação é resultado de um projeto de
amor, que não só transmite material genético,
mas tradições, gostos, afetividades e
crenças. A família não se dissolve com a futilidade
do interesse próprio. A família tende
a fortalecer-se na generosidade espontânea
e no intercâmbio de empatias. Tal estrutura
supera o presente estado de coisas e se
projeta para a eternidade.
CONCEITO DE EXISTÊNCIA
O Evolucionismo promove, conscientemente
ou não, o imediatismo do ser humano,
e isto provoca um irremediável desejo de
viver intensamente o momento. O resultado
deste anelo é o escapismo, a sexualidade
descontextualizada, a independência egoísta
e a limitação do intervalo de vida temporal
ao presente. O escapismo produz o Homo
ludens, uma existência virtual que assemelha
o homem a mero ator periférico de
novelas de televisão. Estímulos e inibições
intensificados reduzem as possibilidades
da descoberta do autêntico ou do interior. A
sexualidade descontextualizada é o prazer
pelo prazer. A relação interpessoal se reduz
à estimulação de endorfinas, à sublimação
de cânones de beleza fugazes e à vindicação
de uma eterna e irreal juventude. A conexão
com periféricos artificiais resulta em
desconexão interpessoal. A suposta independência
e individualismo que se estruturam
em um destacado egocentrismo resultam
em situações alienantes. O imediatismo
do presente mutila a responsabilidade por
ação ou por omissão, que envolve o passado,
bem como a esperança, que propõe
o futuro. Uma vida baseada somente no
presente não tem memória e, portanto, não
precisa identidade. É facilmente modelável.
O Criacionismo considera a escatologia,
e por isso proporciona horizonte à existência.
Contrapõe o prazer ao hedonismo, o escapismo
à responsabilidade, a sexualidade
desbragada à comprometida, o imediatismo
do presente à vida com perspectiva. O prazer
é necessário e equilibrado. Sua existência
gera crescimento e co-participação, não
só produz endorfinas como também, além
disso, acrescenta sentido. A responsabilidade
não é uma obrigação, mas um direito,
um direito de participar voluntariamente dos
desígnios de nossa existência. A opinião
respeitada e a ação consciente são os fatos
que modificam as decisões. Enfrentar
a realidade é uma oportunidade de ter voz
em nosso presente e futuro. A sexualidade
contextualizada compreende vínculos
e projetos, conjunção na disjunção, semelhança
na diferença, coração no prazer. O
Criacionismo incorpora passado e futuro ao
nosso presente, raízes e ramos, identidade
e esperança. Uma vida com perspectiva
compreende serenidade e anelos, memória
e gratidão, certeza e confiança.
O Evolucionismo se opõe a nossos pensamentos
sobre tolerância, sobre o relativismo,
a religião e a auto-satisfação. Temos de
ser coerentes com nossos discursos e explorar
muito mais o respeito, a identidade,
a religião e a empatia. O Criacionismo deve
superar sua etapa apologética e ficar consciente
das razões que o constituem como
cosmovisão. Não é este um assunto supérfluo,
mas sim a gênese de uma identidade
que realça cada pormenor de nossa vida. A
protologia afeta, graças a Deus, as nossas
expectativas de futuro. Como acertadamente
declara Apocalipse 21-4:
“E lhes enxugará dos olhos toda lágrima,
e a morte já não existirá, já não haverá
luto, nem pranto, nem dor, porque as primeiras
coisas passaram.”
Referências
1. Marvin Harris, “El desarrollo de la teoria antropológica:
uma historia de las teorias de la cultura”
(Madrid: Siglo XXI, 1979), 122.
2. Cristóbal Colón, “Textos y documentos completos”
(Madrid: Ed. Consuelo Vega, 1984),
144.
3. Sobre esta discussão ver J. H. Elliot, “España
y su mundo, 1500-1700” (Madrid: Alianza Editorial,
1991), 74 ss.
4. Na frase original aparece o termo “evolução”,
porém o seu conteúdo semântico exprime
“progresso”. Devemos recordar que o clímax
de tal progresso era ocidental, vestido de casaco,
com cabelos curtos e (oficialmente) somente
uma esposa.
5. Basta recordar as primeiras linhas do texto de
Atra-Hasis (1600 a.C.) em que se lê: “Enlil lhes
perguntou: ‘Que vamos fazer agora? Agora, o
que vamos fabricar?’ E os grandes deuses ali
presentes com Enlil responderam: ‘Imolemos
um par de pequenos deuses, e com seu sangue
demos nascimento aos homens! O trabalho
dos deuses será o seu trabalho’. “ Extraído
de Raúl Berzosa, “Como era en el Princípio:
Temas clave de antropologia teológica” (Madrid:
San Pablo, 1996), 47.
6. A ordem que proponho é a posição mais comum
entre os diferentes pensadores, embora
existam outras possibilidades. São as posições
de A. Comte (magia/fetichismo, politeísmo,
monoteísmo), E. B. Tylor (animismo, manismo,
fetichismo, politeísmo, monoteísmo),
J. G. Frazer (magia, animismo, religião), R. R.
Marett (mana/preanimismo, magia, animismo,
politeísmo, monoteísmo), Max Weber (préanimismo,
politeísmo, monoteísmo), A. Hauser
(pré-magia, magia, religião), J. Lubbock
(ateísmo, fetichismo, totemismo, shamanismo,
antropomorfismo politeísta, monoteísmo) ou
J. W. Hauer (mana, magia, crença na alma e
polidemonismo, monoteísmo telúrico, monoteísmo
celeste, monoteísmo ético-religioso). Cf.
Manuel Guerra Gómez, “Historia de las religiones”
(Madrid: BAC, 2002), 385-395.
7. Que no final terminam concretizando-se em
outros deuses. Assim, achamos uma intensa
carga semântica na expressão hebraica hábälim
dos textos de I Reis 16, 13:26; II Reis
17:15; Jeremias 2:5; 8:19; 10:3; 8:15; 14:22; Jó
2:8.
8. Para um estudo pormenorizado destas esquematizações,
ver Esteban Pérez-Delgado y
Maria Vicente Mestre Escrivá (coordenadora),
“Psicologia moral y crecimiento personal” (Barcelona:
Ariel Psicologia, 1999).
Nº 14 Ciências das Origens 5
Desenvolvimento teológico da pessoa
EVOLUÇÃO CRIAÇÃO
Etapa mágica (Animismo) Confiança plena
Etapa institucional (Heteronomia) Relação pessoal
Etapa não institucional (Autonomia) Relação coletiva
Etapa pessoal Relação supra-coletiva
EVOLUÇÃO CRIAÇÃO
Virilocal
Poligamia
Poliandria
Patrilinear
Matrilinear
Nuclear
Família nuclear
PESSOA: Masculino+Feminino
Conceito de ajuda idônea
Monoparental
Complexa
Objetivo: procriação Objetivo: Redenção
Conceito de tempo
EVOLUÇÃO CRIAÇÃO
Amplos intervalos de tempo Tempo amplo antes e depois do
pecado
Ciclo da vida O pecado dá nova dimensão à
redenção
A História como ciclo A História como solenóide
Tanto o passado como o futuro
diluem-se no tempo
O passado não se dilui:
Deus participa da História
Viver o momento
O futuro não se dilui:
Deus preparou um momento para
a Redenção. Viver a eternidade.
Desfrute versus prazer
EVOLUÇÃO CRIAÇÃO
Viver o momento Viver a eternidade
Escapismo Recreação
Sexualidade descontextualizada Sexualidade contextualizada
Vida no presente Vida com perspectiva
Conceito de Deus
EVOLUÇÃO CRIAÇÃO
É uma invenção de certa etapa
evolutiva Deus é o Criador do homem
Teísmo:
Deus participa da História
(Deus caprichoso)
Deus transcendente
(Deus cria o Universo e a
História)
Deísmo: Deus cria o homem e o
abandona (Deus ocioso)
Deus Onipotente (Deus cria
o homem e o sustém)
Ateísmo: não há necessidade de
Deus
Deus Redentor (Deus se
entrega ao homem, apesar de
ser desprezado)
Religião versus irreligião
EVOLUÇÃO CRIAÇÃO
Religião: etapa a ser superada Religião: relação a ser incrementada
Tolerância Respeito
Religião à la carte Religião revelada e assumida
Irreligião Religião
Desenvolvimento teológico da religião
EVOLUÇÃO CRIAÇÃO
Animismo Monoteísmo
Politeísmo Henoteísmo
Henoteísmo Politeísmo
Monoteísmo Animismo
Agnosticismo
Deísmo
Ateísmo
Conceito de pessoa
EVOLUÇÃO CRIAÇÃO
Material do processo evolutivo Ser completo
Transmissão genética Pouco menor que os anjos
Sobrevivência do mais apto Sobrevivência de todos
Competitividade Cooperativismo
Auto-realização Paz (plenitude do ser)
Liberdade sem limites
Liberdade com limites
(libertas volendi em lugar de
libertas agendi)
Material social Ser apreciado por Deus

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