A História de BRASÍLIAUm pouco sobre Lucio Costa
Índice das páginas sobre a História de Brasília
Veja fotos de Lucio Costa.
Lucio Costa nasceu em Toulon, França, em 27 de fevereiro de 1902, filho de brasileiros em serviço no exterior. Seu pai era o almirante Joaquim Ribeiro da Costa. Estudou na Royal Grammar School de Newcastle (Reino Unido) e no Collége National, em Montreux (Suíça). Após retornar ao Brasil, em 1917, estudou pintura e arquitetura na Escola Nacional de Belas Artes, diplomando-se em 1924. Quatro anos depois, casou-se com Julieta Guimarães.
Em 1930 é nomeado diretor da Escola Nacional de Belas Artes, onde introduz mudanças no sistema de ensino. No ano seguinte, reformula o 38º Salão Nacional de Belas Artes, nomeando para o júri, entre outros, Manuel Bandeira e Anita Malfatti.
Em 1936 consegue convencer Le Corbusier a vir ao Brasil avaliar o projeto para o edifício-sede do Ministério da Educação, no Rio de Janeiro.
Em 1938 projeta, ao lado de Oscar Niemeyer, o pavilhão brasileiro da New York World's Fair.
Em 1954 perde a mulher num acidente automobilístico, do qual ele se julgaria culpado, por dirigir o carro em que viajavam.
Em 1957 vence o concurso nacional para a elaboração do Plano Piloto de Brasília.
No ano de 1960 recebe o título de professor "honoris causa" da universidade de Harvard (EUA). Quatro anos depois, é chamada para chefiar a equipe que projetou a recuperação de Florença (Itália), afetada por uma inundação.
Em 1969 inicia a elaboração do Plano Diretor da Barra da Tijuca (Rio).
Em 1976 participa, a convite dos escritórios Nervi e Lotti de Roma, da concorrência para a construção da nova capital da Nigéria (Abuja). A proposta não é levada adiante.
Em 1987 apresenta um trabalho intitulado Brasília Revisitada, no qual pede que se respeitem as quatro escalas que estiveram na concepção da cidade (monumental, residencial, gregária e bucólica).
Em 13 de junho de 1998, falece em sua residência no Leblon, na cidade do Rio de Janeiro.
Obs: o nome completo do urbanista seria Lucio Marçal Ferreira Ribeiro de Lima e Costa. A grafia correta seria "Lucio Costa", sem acento no "u". Contudo, em várias publicações oficiais, e também em enciclopédias, se encontra "Lúcio Costa". Esta informação sobre o nome correto nos foi passada por Haroldo de Queiroz, arquiteto, Presidente do IAB/DF.
A seguir, transcrevemos alguns parágrafos da publicação "Brasília" - Governo do DF - Edições Alumbramento, 1986:"O arquiteto Lúcio Costa nasceu em Toulon, na França, em 1902, filho do engenheiro naval Joaquim Ribeiro da Costa. Em 1917 veio para o Brasil, matriculando-se no curso de arquitetura da Escola Nacional de Belas Artes, turma de 1922.Em 1931 era diretor da Escola quando tentou a reestruturação do ensino e conferiu feição nova ao Salão desse mesmo ano. Lúcio Costa deu fundamental contribuição à preservação do nosso patrimônio artístico e à renovação arquitetônica. Na época em que era coordenador do grupo de arquitetos responsável pela elaboração do projeto do prédio do Ministério da Educação pediu, pessoalmente, ao então Presidente Getúlio Vargas a vinda de Le Corbusier - famoso arquiteto francês que "enfrentou os falsos conceitos e a incompreensão acadêmica, acrescentando à palavra escrita e falada a constante surpresa de sua própria criação", no dizer de Lúcio Costa.Autor dos textos "Documentação necessária", 1937; "Notas sôbre a evolução do mobiliário luso-brasileiro", 1939, e "Arquitetura jesuítica no Brasil", 1942. Em 1960 recebeu o título de Doutor Honoris Causa da Universidade de Harvard. Mereceu ainda o prêmio Calouste Gulbenkian e foi agraciado pelo governo francês com Legião de Honra no grau de Comandeur. A convite do governo italiano, participou dos debates visando o futuro urbanístico da cidade de Florença, após a inundação de 1964. E a família Kennedy chamou-o aos Estados Unidos para debater o projeto de construção de uma biblioteca em memória de John Kennedy.Como arquiteto e urbanista é autor dos edifícios do Parque Guinle, no Rio, do Parque Hotel de Friburgo, das residências Hungria Machado, no Rio, Barão de Saavedra, em Correas, da urbanização da Barra da Tijuca, na Baixada de Jacarepaguá, e do Plano Piloto de Brasília, em 1957."
Todos os textos a seguir foram extraídos de edição do jornal "Correio Braziliense":
Rio de Janeiro — Foi a última entrevista do arquiteto e urbanista Lucio Costa, pai de Brasília, em seis de outubro de 1997, logo após a histórica visita do papa João Paulo II ao Rio de Janeiro. Tinha, então, 95 anos.
Em seu apartamento no Leblon, Zona Sul do Rio, o criador da capital do país foi muito atencioso. Não deixou pergunta sem resposta. Falou baixinho e, quase sempre, pausadamente. A morte já era uma fixação. ‘‘Essa é a minha última entrevista’’, previu.
‘‘Quais são seus planos para o futuro?’’, indaguei. ‘‘Morrer, simplesmente. Sonho com uma sepultura no cemitério São João Batista, que já existe. Comprei duas sepulturas no São João Batista, para minha mãe e meu pai. Pretendo ficar lá,’’, respondeu.
Nas mais de duas horas em que falou ao Correio Braziliense, o criador de Brasília abriu o jogo: lúcido, condenou as propostas de se transformar as superquadras da capital da República em condomínios fechados; disse que o aumento da população nas cidades-satélites é algo bom, pois retira a pressão populacional sobre o Plano Piloto; revelou-se contrário às tentativas de se aumentar o gabarito dos prédios residenciais para mais de seis andares e assegurou que, se tivesse a chance de fazer novamente a capital do país, faria tudo outra vez, do mesmo jeito.
Filho do engenheiro naval baiano Joaquim Ribeiro da Costa e de Alina Ferreira, uma amazonense, Lucio Costa nasceu na França, em Toulon. Viveu na Inglaterra e na Suíça, durante a Primeira Guerra Mundial. Voltou ao Brasil em 1918. ‘‘Meu pai, sem me consultar, me matriculou na Escola Nacional de Belas-Artes e deu início a tudo’’, recorda.
Doutor Honoris Causa pela Universidade de Harvard, desde 1960; sócio honorário de instituições profissionais de vários países — Académie D’Architecture da França, Royal Institute of British Architets e do American Institute of Architets, em 1970 Lucio Costa recebeu do presidente George Pompidou a maior honraria do governo francês, a Legião de Honra, no grau de ‘‘Commandeur‘‘ . São títulos que engrandecem o currículo de um dos maiores urbanistas da história do Brasil, que não chegou a ganhar, segundo revelou em sua última entrevista, o título de Cidadão de Brasília. ‘‘Isso não me preocupa’’, desdenhou.
POBREZA
Lucio Costa nunca enriqueceu na profissão. Nos últimos anos de vida sobreviveu com sua aposentadoria de R$ 1,4 mil que recebia como ex-funcionário público.‘‘Eu sempre vivi de salário’’, garantiu. O urbanista do Brasil não escondeu sua mágoa, também, com a demolição de várias casas por ele projetadas, principalmente no Rio de Janeiro, com o avanço dos megaedifícios.
‘‘Não sou capitalista nem socialista, não sou religioso nem ateu’’, afirma Lucio Costa, repetindo um axioma de sua vida. Sentado numa velha poltrona estufada, com as mãos entrelaçadas, Lucio Costa expôs um traço marcante de sua personalidade — a humildade — que caracterizou toda a sua trajetória profissional. Ser o responsável pelo projeto da capital da República foi, na sua avaliação, algo que estava escrito nas estrelas. ‘‘Eu não me sinto responsável por nenhuma obra especial senão a criação de uma cidade nova, a capital. E foi por concurso público. De modo que não foi um capricho’’, disse.
Lucio Costa lembrou que estava no exterior quando decidiu participar do concurso para a construção de Brasília. ‘‘Eu estava voltando dos Estados Unidos, por mar. Durante a viagem eu comecei a me interessar pelo projeto de criar uma cidade nova — uma capital. Muita gente criticava ferozmente. Diziam que era um gasto inútil, não gostavam do nome. Tinha gente que dizia que Brasília era nome de cozinheira’’, recorda.
O criador de Brasília garantiu que não seguiu modelos externos para elaborar seu projeto. ‘‘Tudo em Brasília foi criação, foi tirado da minha cabeça mesmo. Não me baseei em nada a não ser na minha formação de arquiteto e de urbanista’’, afirmou. ‘‘Entendo que Brasília valeu a pena e, com o tempo, ganhará cada vez mais conteúdo humano e consistência urbana, firmando-se como legítima capital democrática do país. Ela foi concebida e nasceu como capital democrática e a conotação de cidade autocrática que lhe pretenderam atribuir, em decorrência do longo período de governo autoritário, passará.’’
INCHAÇO
O inchaço de Brasília — projetada para ter 500 mil habitantes até o ano 2000 e hoje com quase 2 milhões de pessoas, surpreendeu Lucio Costa. ‘‘Brasília cresceu muito mais rápido do que eu previ. Eu recomendaria pé no freio. Acho que Brasília não deve se transformar numa metrópole assim no sentido de grande cidade. É uma cidade nova que já criou raízes. Brasília já é reconhecida como uma grande capital do país por todos os brasileiros.’’
Apesar de reconhecer que os monumentos do arquiteto Oscar Niemeyer deram característica própria a Brasília, Lucio Costa não divide a paternidade sobre a criação da capital. ‘‘Eu criei a cidade, o projeto é meu! Eu comecei pelo princípio: a capital são os três poderes. De modo que essa cidade teria que ser caracterizada, de nascença, por essas circunstâncias, de ser a capital da República. E hoje todo mundo conhece a Praça dos Três Poderes, formada por um triângulo equilátero, equivalente, porque os poderes são independentes e, teoricamente, autônomos. Então, a Praça dos Três Poderes foi o ponto de partida.’’ Lembra que nem mesmo o presidente Juscelino Kubitschek deu piteco sobre o projeto urbanístico da nova capital.‘‘Juscelino não deu palpite nenhum, nenhum mesmo! Juscelino deu todo apoio ao meu projeto e o nome da cozinheira se consolidou.’’ Para Lucio Costa, Juscelino Kubistschek foi o melhor presidente brasileiro. ‘‘Juscelino, com a colaboração de Israel Pinheiro, construiu Brasília‘‘, justifica.
ABSURDOS
Lucio Costa condenou com veemência projetos apresentados na Câmara Legislativa da Capital de se transformar as superquadras do Plano Piloto em condomínios fechados — ‘‘isso é um absurdo, inteiramente fora de propósito’’ — e considerou normalíssimo que Brasília hoje enfrente grandes engarrafamentos no tráfego de veículos, apesar de suas extensas e bem pavimentadas avenidas — os eixos.
‘‘Isso é inevitável em qualquer cidade de certo porte, que terá horas de engarrafamento. São horas em que a população toda quer se deslocar. De modo que isso faz parte da concepção urbanística contemporânea. Não há modo de fazer uma cidade isenta de engarrafamentos naquelas horas em que a população quer se deslocar, na entrada e na saída do trabalho.’’
De uma coisa, porém, Lucio Costa estava convicto em sua última entrevista: se recebesse a missão de projetar uma nova capital da República, faria tudo outra vez, sem qualquer alteração. ‘‘Eu sou uma pessoa só. O que eu tinha que fazer, fiz.’’ O que também surpreendeu Lucio Costa foi o inchaço das cidades-satélites do Distrito Federal, como Ceilândia e Taguatinga, que hoje têm populações superiores à do Plano Piloto. ‘‘É muito bom que essas cidades-satélites existam para que o Plano Piloto não seja sobrecarregado. Como capital, Brasília precisa ter personalidade própria, uma certa monumentalidade no sentido bom da palavra, não no sentido pejorativo. Uma cidade que já nasceu com aquela pinta onde qualquer brasileiro, paulista ou de outro estado, que, chegando lá, sente que está na capital do país e não numa cidade de província. Isso era fundamental na concepção do projeto.’’
O lago Paranoá, na avaliação de Lucio Costa, deu o toque de graça, fundamental para a consolidação da capital. ‘‘O lago Paranoá foi fundamental desde o início e não foi proposta minha. Quando foi escolhido o local da nova capital já havia a possibilidade de se fechar aquela garganta e criar o lago. De modo que o lago foi uma peça fundamental na proposta da nova capital. Acho, de fato, que se deve tornar o lago mais acessível para a maioria da população.’’
O que aborreceu o pai de Brasília foi a comparação feita por várias pessoas, de que a capital foi idealizada como se fosse um avião. ‘‘Não tem nada de avião! É como se fosse uma borboleta. Jamais foi um avião! Coisa ridícula! Seria inteiramente imbecil fazer uma cidade com forma de avião. Do triângulo da Praça dos Três Poderes, que é a cabeça da cidade, surgiu a Esplanada para receber esses prédios destinados aos Ministérios. Surgiu o Eixo Monumental, não num sentido pretensioso, numa plataforma mais elevada.’’
Os textos a seguir também foram extraídos de edição do jornal "Correio Braziliense":
‘Invenção da minha cabeça’’, dizia Lucio, que considerava uma tremenda idiotice achar que a cidade tem o desenho de um avião. ‘‘É como se fosse uma borboleta’’, explicava. (leia entrevista nas páginas seguintes).
Mas o filho do engenheiro naval Joaquim Ribeiro e de Alina Ferreira morreu magoado com o Brasil. Esquecido em seu apartamento no Rio de Janeiro, Lucio Costa há anos já não enxergava direito, não saía mais de casa, não se inteirava das notícias. Era a filha Maria Elisa, também arquiteta, quem cuidava dele, revezando com uma enfermeira há muitos anos com a família.
O urbanista nunca ficou rico. Não pensava em dinheiro. Sobrevivia com os R$ 1,4 mil de sua aposentadoria de ex-funcionário público. Suas construções foram reconhecidas com honraria na França — onde nasceu, em 1902 —, mas Lucio morreu sem receber da cidade por ele criada o título de Cidadão de Brasília. A última vez que veio a Brasília foi no governo de José Aparecido. Depois disso, perdeu o gosto.
Em seus últimos dias, vivia em estado de apatia. ‘‘Nem pelos jogos da Copa, que sempre acompanhou com interesse e vibração, ele se interessava mais’’, conta Helena. ‘‘Meu pai sempre odiou médico e não queria ser visitado por nenhum deles’’, lembra. ‘‘Ele morreu num processo natural. Não houve doença. Foi como uma chama que simplesmente se apaga’’, conclui a neta Julieta.
O Programa de História Oral do Arquivo Público do Distrito Federal, gravou dia 31 de maio de 1988, no Rio de Janeiro, o depoimento de Lucio Costa no Projeto Memória da Construção de Brasília. Em uma hora e trinta minutos de depoimentos, os entrevistadores Georgete Medleg Rodrigues e Luis Carlos Lopes gravaram a lucidez de Lucio e o seu compromisso com a cultura brasileira a visão positiva do futuro e a sua cidade. O jornal Correio Braziliense publicou alguns trechos desse depoimento que se encontra disponível na íntegra (29 páginas) no Arquivo Público do Distrito Federal.
Arquivo Público - Há quem diga que o senhor teria acordado no meio da noite e desenhado o esboço do Plano Piloto no papel... Até quando que isto é lenda? Isso é lenda...
Lucio Costa - Isso é lenda. (...)
AP - O senhor disse que a idéia surgiu com facilidade, né?
LC- É Ah! Sim, sim, é surgiu.
AP -E, o senhor já tinha conhecimento do edital, tinha lido o edital ou só era rumores ainda?
LC- Não. Já já eram passados três meses que o edital tinha sido publicado. Eu tinha lido. Tinha sido até procurado pelo Roberto Túrcio que me convidava para, para propor (incompreensível). Eu recusei, porque eu não estava bem, não me sentia bem. Só depois que eu... Queria a cidade inventada, né? (...)
AP - Na década de 30 tinha toda uma discussão a respeito do desenvolvimento do país, se devia, é o... tipo autor assim como... Alberto Torres é, Oliveira Vianna que eram reeditados nessa época. O senhor chegou a conhecer?
LC- É justamente. Toda, toda essa parte. Foi uma época mais densa, né? Justamente como havia pouco trabalho... né? Nesses quatro anos, de trabalho, entre o ministério e a saída da escola. Aí que eu, não são da parte da cultura, mas... era um período em que os jornais tinham crônicas literárias, Amoroso Lima... Griecco, todas aquelas coisas (...)
AP - Essa sua objetividade, inclusive um dos critérios para o julgamento, em relação aos demais projetos, é que os demais se perdiam num detalhismo muito grande e o seu era claro...
LC- Claro... sintético.
AP- Sintético e objetivo.
LC- E objetivo, é...
AP- E não detalhava nada... o que...
LC- Além do pedido.
AP- Como o senhor... retrataria essa sua, essa sua capacidade, a origem disso?
LC- Porque ali... Eu acho que isso é a própria, é a própria formação do arquiteto acho que é... partir do geral pro particular. Ao passo que a formação do engenheiro é ao contrário, partir, do particular para o geral. Dois mais dois são quatro, e daí... Eu acho que essa visão do arquiteto é a visão do urbanista, também. O urbanista tem que partir do geral para o particular. E, isso estabelece assim, né? É uma espécie de escola do... mental, né? Para organizar o raciocínio, eliminando o supérfluo (...)
AP - Não tem parâmetro, o senhor morou em Brasília na época da construção?
LC- Não, nunca morei em Brasília. Eu, porque... a Novacap organizou um escritório aqui, aqui no Rio, era a parte de urbanismo e foi Augusto Guimarães, engenheiro, meu amigo, é que chefiou o escritório. Eu mesmo na memória de que eu tinha, eu acentuo que não pretendia acompanhar os trabalhos senão como um consultor eventual, aquele de consulta, porque eu me conhecendo... sabia que eu não ia querer... enfrentar. Eu me recordo a primeira vez que eu fui a Brasília encontrar com o presidente lá e subimos, só tinha aquelas, uma senda. Só tinha um caminho cortado... tem até fotografias tiradas pelo Fontenelle, aquele fotógrafo, Fontenelle. Uma grande figura. Tem essas duas fotografias que é... um, e um, é como se fosse uma trilha cortada no cerrado. Uma no sentido do Eixo Monumental e outra arqueada no sentido do Eixo Rodoviário?
AP- Foi o senhor que orientou aquele primeiro desenho? No cerrado?
LC- Esses eixos já estavam abertos. Essas trilhas... (incompreensível) pelo estatuto. Já estavam bem riscadas, inclusive o triângulo, a Praça dos Três Poderes. E... eu me lembro de ter-me acovardado no sentido do tamanho, a extensão, o tamanho, compreende? Mas felizmente, o que eu... primeiro: o que eu, eu concebi assim a capital como, na escala definitiva, quer dizer... de um Brasil definitivo, compreende? Eu, nunca... isso é que é importante, porque capital é uma cidade construída, construída pra toda vida, não? Não é uma coisa pra estar sendo renovada... mudada, né? Assim, já passou desta fase... já houve a mudança de Salvador, do Rio, período colonial, coluna imperial, mas aí... era uma mudança definitiva e eu concebi uma capital, uma cidade, com características de capital, uma escala de capital. De modo que quando um carioca ou um paulista que fosse lá, mesmo no início... não se sentisse numa cidade-província, compreende? Mas a capital da República, ainda que numa vida precária, uma vida um tanto... um tanto regional. (...)
Rodoviária
LC- Aquela plataforma é fundamental lá no plano, em três níveis, naquele cruzamento. E justamente isso é uma das coisas que, que eu já expliquei isso numa, numa entrevista da última vez que fui a Brasília, não sei se o senhor tomou conhecimento... disso. É que eu tinha concebido essa plataforma rodoviáia, no Plano Piloto, como... um... centro muito cosmopolita, compreende? Que era o centro urbano. Que essa plataforma, na coberta da plata... da estação rodoviária... era um, era ali que o centro urbano, a cidade, o ponto de encontro. De modo que eu tinha concebido na, na época do Plano Piloto, aquilo como uma coisa muito civilizada e cosmopolita. O café, com aquela vista linda da esplanada, compreende? E, e tudo ali, né? Eu, quando, quando estive dessa última vez, consta... constatei que lá tarde, é exatamente á tardinha, á noite, anoitecendo, aquela hora em que, em que, o pessoal, se mandar para aquelas cidades-satélites ao redor do plano, e, e, senti, percebi, que essa plataforma invés daquele centro cosmopolita requintado que eu tinha elaborado, tinha sido ocupado pela população periférica, compreende? A população daqueles candangos que trabalharam em Brasília. Era o ponto onde... de convergência, compreende? Onde eles desembarcavam e, e, havia então essa, esse traço de união, era um traço de união da população a... da população burguesa burocrata, compreende? Com a população obreira e, e, que vivia na periferia, né? De modo que eu senti que isso tinha tomado conta daquilo e de fim me deu uma impressão muito feliz de estar vendo aquele pessoal com umas caras saudáveis, muito boas, que o pessoal em Brasília tem um ar saudável. E, e protelando a viagem para casa, bebericando, conversando, tomando conta da rea, compreende? De modo que invés de, de uma flor de estufa como eu disse. Uma coisa requintada, meio cosmopolita, meio artificial. Foi o Brasil de verdade, o lastro popular do Brasil é que tomou conta da rea. Isso deu uma força enorme da capital, compreende? Me fez feliz de ter contribuído involuntariamente, compreende? Para essa, essa realização.(...)
Tecnologia
AP - O senhor tem também uma posição interessante sobre a tecnologia?
LC- É porque a maioria das pessoas entende desenvolvimento científico e tecnológico, é o oposto da natureza. Eles consideram que a natureza é isso, o vento, o ar, é o, são as plantas, são as árvores, a paisagem. Mas a natureza, o desenvolvimento científico e tecnológico é um processo que vai contra, compreende? A essa coisa, essa coisa que é a natureza, então... é ao contrário. É, eu considero que o desenvolvimento científico e tecnológico é também natureza, compreende? Só que uma é natureza, acontece no sentido, ao alcance da vista, ao alcance da mão, essa é a natureza, ao alcance dos sentidos e a outra, é natureza, mas natureza ao alcance da inteligência, compreende? E da tecnologia, quer dizer, é um é... como se fosse o outro lado da Lua, compreende? A natureza invisível, mas tudo é natureza. Energia atômica é natureza. Tudo isso é natureza. De modo que a minha tese... é que... essas duas coisas são complementares e não divergentes. E inteligentemente encaradas elas são sempre compatíveis, compreende? Evidentemente se o desenvolvimento científico e tecnológico (incomp.) princípio, o produto, ora, essa lógica não satisfaz aos interesses não são comerciais, industriais, (incomp.) das pessoas. De modo que as pessoas têm interesses, procuram fazer que essa fatalidade que é o desenvolvimento científico, tecnológico, é uma fatalidade, compreende? É como a mão e a força da gravidade, a queda vertical, aquilo é, uma fatalidade.
E essas pessoas então procuram fugir, até se afastar, dessa... se afastar agora, até certo ponto muito além, perdem a realidade, fogem da realidade, aí têm que voltar, compreende? Para se adaptar àquela realidade científica, tecnológica, compreende? E ficam sucessivamente, depois querem se adaptar novamente e assim vai... eu faço até um gráico, eu faço uma vertical, a fatalidade, compreende? E faço essas linhas que vão se afastando, depois se cruzam, se afastam novamente e voltam e aquilo vai. No fim, não haverá mais essa contradição, compreende? Essa, essa, isso por quê? Porque o homem... não, somos também natureza. De modo que você tem a natureza sensível, essa natureza, essa natureza dos sentidos e tem a natureza que é (incomp.) o fruto de, de... convergências, o microcosmo.
Imensamente grande, isso é que é o infinito, minúsculo, né? São dois infinitos, um macrocosmo, um microcosmo. Esses dois infinitos se cruzam aqui na sua cabeça, na cabeça dele, na minha cabeça, quer dizer, quer dizer, é exatamente o traço de união, compreende? Entre o infinitamento grande e o infinitamento pequeno, quer dizer que, se não existisse, quer dizer, a evolução normal da qual fazemos parte, quer dizer, não somos o grupo, o coroamento da evolução, compreende? (incomp.) aquela coisa, aquela coisa fantástica, negócio de mutação em mutação, aquela coisa toda e passando de um organismo pra outro de mutação em mutação até chegar, chegar ao homem e se não tivesse ocorrido, seria como se nada existisse no mundo, né? De modo que... a natureza está no inconsciente e nesse inconsciente cada um de não é um, uma mutação única. Não é um processo, o processo. É um processo, né? Agora nesse processo se insere, se insere, no caso individual, em cada um como pessoa. Quer dizer, a nossa vida não é um processo. um drama individual. Cada um de nós é um drama individual, mas esse drama individual... é um processo... aquilo vai pensar que, vai sistematizar (incompreensível) o processo, não é não.
A vida não, a vida é pessoal, é uma coisa única. Qualquer, qualquer vagabundo, de modo que... todos nós ficamos admirando. Acorda, passarinho! Uma flor, o mundo, a natureza... como é que é a natureza. A natureza é a nossa consciência. Isso, a nossa consciência é a natureza, compreende? É natureza em estado lácido, sabia? Pois é, a evolução, a evolução tinha que chegar ao estado de lucidez. Da consciência. Se não fosse assim, seria como se nada existisse, compreende? De modo que esta tese ciência, tecnologia e natureza, em que eu insisto nela e que as pessoas interpretam mal, eu acho. Pensem bem, não é...
AP- O senhor ganhou um prêmio do Instituto de Tecnologia de Massachussets. O senhor falava do paraíso perdido, né?
LC- Êta maravilha!(...)
A Capital
LC- Sendo capital, e com certeza essa é a realidade. Eu tinha que fazê-la com dignidade de propósito e de intenção, né? (incompreensível) Uma cidade única, projetada pra isso. É um símbolo (incompreensível). E essa sensação, esse símbolo, felizmente na Praça dos Três Poderes, está muito bem reproduzido, né? (...) Porque a cidade é muito combatida, né? (incompreensível) ficou uma oportunidade perdida, porque o problema social não foi resolvido (incompreensível) cinco, três anos se resolvesse o problema seria uma barbaridade, desde o tempo da colônia, da escravidão, o Brasil era essencialmente um país escravo, né? Toda a mão-de-obra era escrava, né? Como se pode, da noite pro dia, mudar? De modo que havia... Como eu ia pouco a Brasília... Falam que esses candangos, os operários que trabalharam em Brasília foram jogados fora... (incompreensível) ele podia visitar todas elas. Não são. Não foram jogados fora, eles estão muito bem. (incompreensível) Brasília e tudo mais. E que todos os, todos...
E o que aconteceu? Para construir Brasília era preciso mão-de-obra, né? Então muitos vieram para Brasília para melhorar de vida. Inaugurada Brasília (incompreensível) vieram as famílias, embora eles declarassem que iam embora. Quinze dias depois, um mês, dois meses já estavam as famílias lá. Acampavam, em torno da Catedral, em torno do Planalto, em torno do Itamaraty, né? (incompreensível) Inaugurada Brasília... não podia continuar. Eu insisto nisso (incompreensível). A Novacap, teve consciência de que esse momento ia ocorrer (incompreensível) tinha possibilidade, né? Que um terço dessa população voltaria pro seu país de origem, né? Outro terço, seria absorvido e o terceiro terço, finalmente, como tradição agrícola, grandes, vindos do interior assim. Então (incompreensível) no cinturão verde em torno da capital em fazendas modestas (incompreensível).
Com esse objetivo, a Novacap, consciente do problema, com o Ministério da Agricultura, não sei se o senhor está lembrado disto, fez um convênio (incompreensível) para criar as fazendas-modelo, cinco ou seis, não me lembro. Pequenas fazendas-modelo (incompreensível) compreende? E que acabou sendo habitadas pelo governo; pelo governo, pelo presidente. Cinco se transformaram em casa de campo.
Este "site", foi elaborado por Augusto Cesar B. Areal.
Agradecimentos especiais ao jornal Correio Braziliense,pelas suas reportagens sobre Lucio Costa, que reproduzimos aqui.Homepage (Brasília's Home Page)
terça-feira, 15 de setembro de 2009
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