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domingo, 20 de dezembro de 2009

CONCIENCIA X AUTORIDADE

Consciência x autoridade
Parece haver um contraste natural entre consciência e autoridade. A consciência é pessoal, individual, íntima; a autoridade, impessoal, coletiva, estranha. Se identificarmos a consciência com a inteligência, que é de fato individual, qualquer um poderia dizer que o suposto impasse se resolve afirmando que pode ser inteligente seguir a autoridade, e ter razão. Porém, o que me interessa é a oposição subjetiva entre consciência e autoridade, isto é, os motivos que uma pessoa dá a si mesma para recusar uma autoridade. Esses motivos sempre parecem girar em torno de questões de consciência. Do mártir católico ao adolescente ateu que se sente constrangido em sua escola no coração do Bible Belt, ninguém quer ter a sua consciência constrangida. O mérito dos conteúdos de sua consciência é irrelevante neste momento. O que me interessa é que, toda vez que um indivíduo se insurge contra uma autoridade, essa oposição é formulada nos termos de uma consciência individual contra uma autoridade exterior que injustamente a constrange.

Se a autoridade diz representar a consciência individual, o indivíduo a acusará de ser a suprema perversão dela: uma anticonsciência que, travestida de consciência coletiva, começa por inverter a ordem das coisas ao pretender afirmar-se fora da intimidade da inteligência individual; aliás, essa pretensão só poderia mesmo surgir de um impulso totalitário. A autoridade acusará o indivíduo (caso não o ignore pura e simplesmente) de desrespeitar a hierarquia; de ser simplesmente vaidosa diante da experiência acumulada por outros e cristalizada na autoridade, que fornece nada menos do que a estabilidade do mundo: o que representaria para a ciência, enquanto empreendimento social, alguém que exigisse aceitação para dados obtidos sem o uso do método devido?

Sei que devo fazer uma ressalva e explicar o exemplo. Para mim, neste momento, os conteúdos da ciência ou da não-ciência são irrelevantes; interessa-me que o método científico é uma regra que pode ser tão exterior à consciência quanto qualquer outra regra. Não digo isso porque eu seja contrário ao método científico — não sou. Só estou interessado em regras e motivações, e penso que qualquer pessoa aceita de mão beijada a informação que vem das fontes a que confere maior prestígio. Se você (acha que) confere prestígio a uma autoridade por razões mais razoáveis do que as minhas, ainda assim confere prestígio: você abre as páginas de uma publicação e lê aquilo com boa vontade, presumindo que é verdade; e lê as páginas de outra publicação com má vontade, presumindo que é mentira.

Mas o que mais me interessa agora é a associação entre verdade e identidade. Ninguém crê que aquilo que pensa é mentira, mas verdade; mesmo que seja uma verdade provisória e aproximativa, ainda assim verdade. As pessoas também se definem — observo isso em mim mesmo — pelas verdades que possuem. Quer dizer, diante dos outros, e sob certo aspecto diante de si mesmo, a sua posse de certas verdades é tão definidora da sua identidade quanto é para outra pessoa a posse de certas roupas e acessórios. Mudar de idéia é mudar de identidade; e, quanto mais séria a idéia, mais séria a mudança de identidade. Se não fosse assim, não teríamos a impressão de que aquele que tem idéias discordantes de um consenso é mais indivíduo do que aqueles que partilham do consenso. Aderir a um consenso parece com dissolver-se; contrariar um consenso parece com afirmar a si e à primazia da consciência individual.

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