VIDA INTELIGENTE ANTES DOS GREGOS: repercussão
teológica, filosófica e jurídica.
ROSSINI CORRÊA
Vice-Reitor da American World University – AWU/USA
Vice-Presidente da Associação Brasileira de Advogados – ABA
Membro da Academia Brasiliense de Letras
A vida não começou na Grécia. Por mais pesarosa que possa ser a
referida constatação para a absorvente consciência ocidental, admiti-la é a imperiosa
solução. Salvo se se pretender, com efeito, transgredir todo e qualquer compromisso de
razão com a verdade histórica, em concessão ou despropósito distante da presente e
ponderada reflexão. Quando a produção social da existência permitiu aos homens e às
mulheres alcançarem o convívio urbano, fundando as cidades originárias, uma poderosa
descontinuidade, autêntica revolução, transfigurou o ser do tempo e indicou a direção do
horizonte.
Quem desembarca no Cairo ou em Alexandria, chega a Ghizé e
contempla a pedra esculpida e arquitetada da Esfinge e das Pirâmides, escuta os
egípcios, orgulhosos, falarem de si mesmos, antigos como as estelas. Em todo o Egito é
voz corrente que o homem tem medo do tempo e o tempo tem medo das Pirâmides. Se
algumas cidades não venceram o tempo, como ameaçam as Pirâmides, todas constituem
testemunhas, mais ou menos visíveis, de um complexo itinerário com ressonâncias
profundas na passagem da longínqua proto para a vigente humanidade. É temerário
enumerar, mas não há remédio: Babilônia, Nínive, Mênfis, Jerusalém, Micenas, Mileto,
Atenas, Roma, Pompéia, Mérida, Esparta, Alexandria, Bizâncio e, entre outras, Pequim,
sendo a enumeração de Mariano Perla1, que considerou Theni a primeira cidade da
história, fundada pela realiza do Império Antigo do Egito2.
Em comum, as cidades do mundo antigo possuíam muralha e
fortificação, e, quanto mais confiável fosse a muralha, melhor pareceria o espaço
urbano. A massa compacta e erguida dos blocos de pedra ampliava o sentimento de
defesa, de proteção, enfim, de segurança contra o advento de povos estranhos e nômades
e a violência das gentes vizinhas e sedentárias3. E, em se dispondo, intra-muros, de
alguma crescente certeza quanto à capacidade de resistência frente aos perigos da vida
do mundo, mais ou menos desconhecida, a dimensão urbana crescia em organização,
equipamentos e significação. É que o Ego (Eu) ambicionava, ser e estar apartado do
Alter (Outro)4, crescendo em confiança na proporção da consistência e da altitude das
muralhas e no poder de resistência das torres de vigia das fortificações, com as quais se
pretendia embargar as surpresas destruidoras e dominadoras de hordas e de hostes
conhecidas ou estrangeiras.
Minimamente estabelecida a petrificada atitude de defesa, em que se
corporificou uma descontinuidade permitida pela crescente aquisição da cultura, em
relação à vida natural das cavernas ou a céu aberto, logo começou a demanda em favor
da sua consolidação e do seu desenvolvimento. Conquistas crescentes e extraordinárias
foram realizadas, a permitir o trânsito de carros de quatro cavalos, os deslumbrantes
jardins suspensos e a arquitetura de edifícios possantes na Babilônia, a edificação ampla,
planejada e numerosa de ruas e de praças completadas pela beleza dos templos em
Nínive, onde Sargón e Assurbanipal plantaram, quiçá, a primeira biblioteca do mundo e
o conjunto arquitetônico e urbanístico de Jerusalém, mãe, terra e pátria da religiosidade
universal, composto de templos e de relíquias, cujas muralhas detiveram o poderoso e
incontestável exército romano por um ano e meio 5.
A cidade, se foi construída na história como símbolo de clivagem em
relação à vida natural, conquistou, em paralelo, a condição de teatro imediato da
afirmação de uma identidade, reivindicada como de tribo, raça ou nação e de cenário
mediato da dilatação da experiência e da consciência do espírito civilizatório. Quanto ao
papel de síntese, nunca será demasiada a recordação de que os impérios do mundo
antigo elegeram amálgamas e instituíram capitais, estando a Babilônia para o caldeu,
assim como Nínive para o assírio e Mênfis para o egípcio6, em meridiana antecedência
ao mundo grego. Os mitos de fundação povoaram as cidades originárias, e, com a
Babilônia - que chegou a ter, sob o reinado de Nabucodonosor, oitenta quilômetros de
recinto, cercados por muralhas de cento e vinte metros de altura, trinta metros de
espessura, duzentos e cinqüenta torres de vigia, vinte e seis portais de bronze maciço e
um sistema de lâmina d`água profunda envolvendo a urbe7- não foi diferente.
Ur e Lagash foram cidades rivais mais ao sul de Sinnar, entre os rios
Tigre e Eufrates, localidade em que foi construída a Babilônia, cuja Grande Ponte o
escritor romano Quinto Cúrcio consideraria uma das maravilhas do mundo antigo8 e que
hospedou ainda o Templo de Belo, destruído por Xerxes, que Alexandre Magno buscou
em vão reedificar, com seus oito andares e monumental altura, quarenta metros mais
elevado do que a maior das Pirâmides do Egito9. Se Ur e Lagash estavam mais próximas
do mar, a Babilônia, eleita, estava muito perto do Deus Oanes, o qual, em período
precedente ao Dilúvio, metade homem e metade peixe, se dirigiu diretamente ao homem,
denunciando que este ouvia como fera - era a existência natural, nas selvas, cavernas e
desertos - passando a receber Dele o ensinamento de como edificar residências e
desenvolver ofícios utilitários. Eis nascida a Babilônia. Séculos se sucederam até que o
Deus Oanes retornasse e esclarecesse o comando do Rei dos Reis, que Ele mesmo
elegeu, fundando com o Rei Aloros10 a monarquia de origem divina.
Considerada a exemplaridade da Babilônia, a manifestação do Deus
Oanes é reveladora. Metade homem e metade peixe, antecipado a Tales de Mileto11, o
magistério metafórico de Oanes significou proclamar que a fonte divina da vida é a
água. De mais a mais, ao denunciar que os homens e as mulheres viviam como as feras,
Oanes se transformou no pai da urbanidade, prefigurando Aristóteles12, que convalidou
como humano o que estava intra-muros da cidade, reservando a designação de rústico –
rusticus, no latim, de onde advém rusticari, que é rusticar – a tudo aquilo que, no
campo, a exemplo dos animais e dos vegetais, constitui testemunho de vida natural, de
que homens e mulheres deveriam, na caverna urbana, no útero artificial, na natureza
aditivada da cultura, se distinguir, talvez, sem se dissociar das suas raízes ecológicas. E
afinal, Oanes decidiu a exceção no exercício do poder13, evidenciando, com a sua
atitude, que César (o Rei Aloros) era uma derivação e uma instauração de Deus ( Ele,
Oanes).
A Babilônia ora discutida foi o privilegiado cenário da vigência do Rei
Hammurabi (1728-1686 a.C.), o unificador da Mesopotâmia, colocada sob um só Cetro,
uma só Coroa, do Golfo Pérsico ao Deserto da Síria, eternizado, entretanto, por sua obra
jurídica, sem embargo do relevo do seu desempenho político e administrativo. Obra
jurídica com objeto não somente legalista, mas com sentido finalístico de compromisso
valorativo com a Justiça, disposta a defender a verdade da proporção até mesmo contra
os juízes venais, responsáveis pela dicção do direito do Estado. De onde o §5º, do Livro
2, intitulado As Leis, haver consignado que, se corrompida a sentença, o Juiz que a
prolatou deveria ser condenado ao pagamento de doze vezes o valor da causa em
discussão no processo, devendo ainda, degradado, ser levantado do trono legal em
assembléia, jamais volvendo a funcionar como julgador em uma lide qualquer14. Eis O
Código de Hammurabi. A preocupação do Rei da Babilônia com a Justiça era patente.
Eis a razão por que As Cartas de Hammurabi buscavam a proteção do injustiçado e
desvalido contra a ameaça do poderoso e prepotente.
Em uma delas, a Carta de número 5, o Rei da Babilônia se dirigiu a
Siniddinam a propósito da reclamação dirigida ao Palácio por Lalum, um homem
simples, almocreve que perdeu o seu campo repleto de cevada para o ato de força do
Prefeito Ali-illatti. Irresignado, o pobre Lalum recorreu ao Palácio e exibiu a tábua de
registro da propriedade de 2 BÙR de campo, ou seja, de 12,96 ha esbulhados pela
Autoridade sem direito. Hammurabi não vacilou e determinou a Siniddinam que
examinasse a questão, soubesse, em respeito ao contraditório, o motivo pelo qual Aliillatti
reivindicou o campo de Lalum e indenizasse o pequeno proprietário se este
houvesse sofrido dano advindo do poderoso Prefeito, que deveria ser punido, se o ato de
Ali-illatti contra Lalum fosse comprovadamente “uma injustiça”15.
Na Babilônia, as águas passaram a ser domadas em reservatório e
distribuídas segundo as necessidades dos diferentes terrenos. Os jardins suspensos
tinham a altura de muralhas e eram visitados pelos poderosos à luz quase crepuscular,
vestidos com elegância, portando jóias de ouro e de prata e adornos de vidros coloridos.
A idéia de boa vida, caríssima aos gregos, ali já estava presente no requinte das
mansões, na sofisticação do comportamento, na abundância dos banquetes, na
concorrida agenda de festas e de bailes, no mobiliário artístico, no culto à música, no
desenvolvimento do comércio e na mudança do ritualismo religioso, sem mais oferta de
seres humanos pulsantes em sacrifício aos deuses, trocados por animais e figuras que
passaram a representá-los 16 . Reside nos fundamentos já expostos o direito de
reivindicar para a Babilônia, Nínive e Mênfis a prioridade quanto à transformação das
cidades e dos costumes, que transfiguraram a experiência urbana em centro dinâmico da
desafiante saga da convivência humana. Em uma nova configuração: a de consumar “un
paso adelante en la civilización”17, um passo em frente na civilização.
Por evidente, todos os matizes e ressalvas são possíveis e legítimos. A
presença participativa de sumérios, assírios e babilônios na tramitação do processo
civilizatório é inequívoca e irrecusável. Dos sumérios, em particular, há de se reconhecer
a precedência em variada matéria, a exemplo das primeiras escolas, do parlamento
democrático, da codificação do direito, da formulação ética de um ideal moral e, entre
muitas outras, por ser imbatível, a invenção da escrita. Naquilo que é pertinente ao
direito, os sumérios tornaram a lei escrita e codificada, vinculando à sua história uma
tradição de Reis Reformadores, como Enmetena, Uruinimgina, Gudea, Ur-Ninurta, Sin-
Khasid, Sin-Iddinam e Shamshi-Adad I. Entre os códigos legais mesopotâmicos são
merecedores de destaque os de Schulgi (2094-2047 a.C.), de Lipit-Ishtar (1934-1924
a.C.) e de Eshnunna (1825-1787 a.C.), todos precedentes ao Código de Hammurabi
(1792 – 1750 a.C.).
No Código de Schulgi o nome de militar sumerio Ur-Nammu, Rei de
Ur, havido como filho de Utukhegal, Rei de Uruk, apareceu precedido da palavra dingir,
que lhe conferia o tratamento dispensado a Deus, a comprovar que, em todos os tempos,
dos mais remotos ao presente, a grande ambição reinante no inconsciente de César foi a
de destronar o Senhor, para ser Deus. Transcendendo, porém, o impossível mas
recorrente imaginário de César, dois tópicos estampados no Código de Schulgi merecem
especial destaque – os de números 9 e 10 – ainda que contenham em si alguma retórica
jurídica do poder. Neles está inscrito, em contrapartida, um ideal de Justiça para o
Direito, a refletir como proporção e como limitação, nas esferas social e política,
respectivamente. Ei-los, em vernáculo e em livre tradução:
“9. No entregué el huérfano al rico, no entregué la viuda al hombre
poderoso, no entregué al hombre de un Gín el hombre de una mina, no entregué al
hombre de un cordero el hombre de un buey”18.
9. Não entreguei o órfão ao rico, não entreguei a viúva ao homem
poderoso, não entreguei ao homem de um Gín ao homem de uma mina, não entreguei ao
homem de um cordeiro ao homem de um boi.
Reconheça-se, por oportuno, que o estatuto valorativo da ordem
jurídica já se encontra pressuposto no tópico em epígrafe, na medida em que o poder de
dominação permitido pelas assimetrias sociais restou, por hipótese, embargado pela
intervenção moderadora e justicialista do direito. O rico, o poderoso, o senhor da mina e
o homem do boi não puderam, soberanos, cavalgar, desfrutar e ultrajar o órfão, a viúva,
o desvalido e o homem de um cordeiro. Não diminuindo o direito, por si só, as distâncias
sociais, pode, por suposto, funcionar como medida legal protetiva dos mais fracos, que
não ficaram abandonados frente aos fortes e vorazes.
“10. Situé a mis gobernadores, a mi madre, a mis hermanos y
hermanas, a su familia y a sus seres queridos; no me mostré nunca dispuesto a acceder a
sus deseos. No impuse trabajos, hice desaparecer el odio, la violencia y el clamor por
justicia. Establecí la justicia en el país”19.
10. Coloquei a meus governadores, a minha mãe, a meus irmãos e
irmãs, a sua família e a seus seres queridos; não me mostrei nunca disposto a ceder a
seus desejos. Não impus trabalhos, fiz desaparecer o ódio, a violência e o clamor por
justiça. Estabeleci a justiça no país.
Compreenda-se que foi a potência em ato do Deus Nanna, o Rei das
Primícias, o responsável pela devolução da liberdade reivindicada pelo Código de
Schulgi. Este Diploma Legal, por sua vez, se consentiu as concessões fáticas da vida
social e política, com a promoção patrimonial de governadores, mãe, irmãos, irmãs,
família e clientelas, não convalidou os excessos de quereres, mandonismos e
possessividades da grei dos protegidos. Enquanto o ódio, a violência e o clamor
desesperado por Justiça, por hipótese, desapareciam, o Rei Legislador renunciara à
imposição do trabalho, que seria a violência das violências, desde que a condição natural
do homem é a preguiçosa coleta das dádivas soberanas da Vida20, e estabelecera em todo
o país o direito literário e codificado. Em síntese, a glória de ser legislador passou a ser
reivindicada pelo Homem de Estado, como o Epílogo do Código de Lipit-Ishtar
comprova:
“(1) De acuerdo con la palabra justa de Utu yo he estabelecido la ley
justa em Sumer y em Akkad.
(2) De acuerdo com la proclamación de Enlil, yo, Lipit-Ishtar, hijo de
Enlil, he acabado, gracias a la palabra justa, con el desorden y con la iniquidad; he
sacado las lagrimas, los gemidos, la corrupición y el pecado.
(3) He hecho resplandecer la verdad y la justicia, he segurado el
bienestar en Sumer y en Akkad.
(4) Cuendo hube establecido el Derecho en Sumer y en Akkad, erigí
uma estela”21.
(1) De acordo com a palavra justa de Utu eu estabeleci a lei justa em
Sumer e em Akkad.
(2) De acordo com a proclamação de Enlil, eu, Lipit-Ishtar, filho de
Enlil, acabei, graças à palavra justa, com a desordem, com a iniqüidade; estanquei as
lágrimas, os gemidos, a corrupção e o pecado.
(3) Fiz resplandecer a verdade e a justiça, assegurei o bem-estar em
Sumer e em Akkad.
(4) Quando estabeleci o Direito em Sumer e em Akkad, erigi esta
pedra gravada.
Eis a obra monumental da lei como palavra justa, que, se tivesse feito
coincidir a retórica do Príncipe Legislador com a cruenta estela da realidade, a vida do
mundo, de há muito, teria deixado de ser este Vale de Lágrimas. Todavia, ninguém que
se pretenda minimamente lúcido pode deixar de reconhecer que o advento da cidade na
história instaurou, de maneira inelutável, a expectativa de que as instituições sociais,
jurídicas e políticas pudessem conformar, e conformar a melhor, as relações sociais.
Como? Vestindo-as e revestindo-as com a superação do caos, o minorar da dor, o
controle do mal, a punição da corrupção, o embargo à violência e o desestímulo ao mal
e à morte, para que o convívio entre os homens e as mulheres pudesse ser o culto à paz,
a celebração da vida, o serviço à alegria, a expressão da tolerância e o desafio da
fraternidade. Ser ou aspirar a ser, pois aspirar é viver e construir sentido para a Vida.
Também não pode ser olvidado, por pequena que seja a
responsabilidade intelectual, que a cidade, por mais longínqua que seja a sua
emergência, é um rebento tardio na história social da humanidade. Tardia, sim,
porquanto precedida a emergência da dimensão urbana por aquilo que Lewis Mumford
descreveu como a mínima povoação, o espaço de culto, a organização da aldeia, o lugar
de acampamento, o sombrio esconderijo, a noite da caverna, o monte irregular de pedras
e, prefigurando tudo o mais, a pura natureza social22 do homem e da mulher, superior,
porque consciente. Com a vigência da cidade começaram, em certo sentido, mas com
recidivas, a perder centralidade na história os coletadores e os caçadores, que cederam
espaço aos agricultores e aos criadores, sucedidos todos, na dinâmica armadura urbana,
por artífices, comerciantes e burocratas, operários, industriais e gestores, excluídos,
banqueiros e intelectuais.
Polimorfa e complexa foi a viagem até que a humanidade
amanhecesse, do paleolítico ao mesolítico e do neolítico às chamadas culturas históricas.
A coleta, a caça e a pesca conhecerão a emergência do pastoreio e da agricultura,
constituindo a economia produtiva. A navegação e o transporte permitirão a difusão da
utensilagem social transformadora, do Oriente para o Ocidente, do que são exemplos a
tração animal, a descoberta da roda, o advento da metalurgia, a cultura urbana e o culto
aos mortos que, em Jericó, compreenderá também a celebração mortuária do crânio
humano23.
Tudo é processo. De Sumer e Acad, na Suméria, chegar-se-á à
formação das monumentais civilizações urbanas da Mesopotâmia e do Egito24. Suméria
da escrita, do carro de boi, da roda na indústria da olaria, da navegação fluvial, do
advento da Cidade-Estado, da florescência do sentimento individualista, de Ur, Uruk,
Lagash, Kish e Larsa25. Contra a Suméria, em certo sentido, para dominar as suas
Cidades-Estados ancestrais, os aqueus, povo semita comandado por Sargão de Acad,
consumaram o advento da estrutura de poder imperial, subordinando à sua vontade
política hegemônica, do Mediterrâneo ao Golfo Pérsico26.
Contribuíram para o amanhecer da história27 os fascinantes e
enigmáticos egípcios, bem como caldeus, semitas, hititas e assírios28. Egípcios que
afirmaram uma consolidada experiência urbana, de que Tebas, Mênfis e Tel el-Amarna
foram eloqüentes testemunhas29. A crescente complexidade do mundo antigo permitiu
legítimas reivindicações como a de Jericó, na Palestina, onde desenvolvimento técnico e
sutileza espiritual convergiram, crescendo em significação e em reconhecimento na
esfera da consciência arquitetada, como “la epiu antica città del mondo”30, a mais antiga
cidade do mundo. Jericó da muralha, do casario e da célebre torre multimilenar.
Sem desdouro de hicsos, cassitas e hititas, as referências pretéritas
germinais foram denominadas Suméria e Egito. Se há civilização-força e civilizaçãoresultado,
ou, civilizações originais, derivadas e reflexas, todas as grandes, segundo a
percepção de Lucien Duplessy, conformam uma contribuição à arquitetura, artes
plásticas, poesia, ciência, língua fixada, difusão da palavra, religião, ordem social, poder
político regulamentado, costumes, leis, moral, arte militar, procedimentos técnicos,
sistema econômico e à arte culinária31. Realidades, todas, às quais a Suméria e o Egito
emprestaram a sua força civilizatória originária. A Suméria, em particular, instituiu a
Cidade-Estado, ancorou na esfera do sagrado a origem do poder, comprometeu a
dimensão pública com a lei, o bem-estar e a justiça, estabeleceu limites mais humanos
de convivência e absolveu, em julgado da Assembléia de Nippur, a mulher que
silenciou, sabedora do assassinato do malévolo marido, naquela que é considerada a
primeira sentença da história32. Das pedras aos clãs e destes aos impérios. A simples
referência às legendas históricas de Ciro o Grande, Cambises, Dario, Xerxes e
Artaxerxes e as seqüências numerais que a alguns acompanharam, em si mesma, é
reveladora de que, às tendências, se contrapuseram poderosas contratendências,
tornando mais do que relevantes antiguidades como as persas33 e as judaicas. Estas,
personificadas por Moisés, o Decálogo, a escuridão, a peregrinação no deserto e o
encontro com Canaã. Especialmente pelo Decálogo, espécie de Código Total, porque
ético, moral e jurídico, resumido por Flávio Josefo como de proclamação do
monoteísmo, condenação da zoolatria, obrigação de honrar pai e mãe e de embargo ao
homicídio, ao adultério, ao roubo, ao falso testemunho e ao desejo de possessão de coisa
pertencente a outrem34.
E o que ponderar sobre as antiguidades hindu e chinesa, as quais, dos
livros sagrados aos templos e às muralhas, iluminaram a noite dos tempos? A fertilidade
da sabedoria da Índia, que corresponde à construção da unidade de pensamento e de
atitude, é reveladora. Desde as mais longínquas civilizações dravídicas estava em
preparação a síntese eletiva das quatro finalidades da vida: posses materiais (Artha),
prazer e amor (Kãma), deveres religiosos e morais (Dharma) e redenção ou liberação
espiritual (Moksa, Apavarga, Nirvrtti)35. Privilegiado, o homem indiano foi formado à
luz e à sombra de mundividências que o tornaram senhor, potencialmente, das
referências de desembarque nos infinitos continentes introspectivos e univérsicos. De
um vitalismo em busca do Bem Supremo, a sabedoria indiana madrugou na abertura da
sua agenda para refletir sobre as temáticas intemporais do tempo, do dever e do prazer.
Mergulhada em espiritualidade, a Índia foi imbatível em reflexão
metafísica36, perpassada nas tessituras argumentativas do bramanismo, do jainismo, do
budismo, do vedismo e do hinduismo. Nesta gramática mundividente excelem
referências simbólicas ao princípio fundamental do universo, ao eu profundo, à
transmigração da alma, à razão individual, à felicidade da libertação, ao estado de
nirvana e manuseio sígnicos ao culto à obediência, à extinção do sofrimento, à
transposição da dor, à descoberta do Ser Universal, às quatro verdades e aos cinco
mandamentos. Cenário de toda a espiritualidade em questão, a Índia edificou Benarés, a
sua Cidade Sagrada, que prefigurou Jerusalém, Roma e Meca, respectivamente do
judaísmo, do cristianismo e do islamismo, com a singularidade da primeira, reivindicada
por todas as religiosidades enumeradas.
As cidades profanas foram reveladas por Kautilya, o Maquiavél da
Índia, que foi Chefe de Governo e Rei Chandragupta, membro da dinastia dos mouryas.
Kautilya escreveu Arthashastra, entre 321 a 300 a.C., um autêntico manual políticoadministrativo,
colocado a serviço dos interesses governamentais ancorados no poder
burocrático, cujo preceito máximo é o de que “a ciência do governo baseia-se na lei do
castigo”.37 Militares, informantes, burocratas, contadores, torturas, julgamentos e penas
capitais, com ou sem tormentos, constituem o receituário deste Estado Despótico38. O
recorte imperial da experiência política e administrativa ali desenvolvida, encontrou os
seus fundamentos na tradição da economia e da sociedade hidráulicas, de poder
despótico absoluto, com terror, submissão e solicitudes totais39.
Tamanha era a complexidade do mundo pretérito, que a estratificação
social da Índia, fundada nos princípios, ou preconceitos, do puro ou do impuro, exprimia
a hierarquia das castas em consonância com a religião. Castas são grupos fechados,
regidos, familiares, profissionais e hereditários, com hierarquia conservadora definida
em virtude dos referidos caracteres e proibidos quanto à realização de casamentos
exógenos, vinculados a um sistema de idéias que consagra processos rituais, deveres
religiosos e práticas sociais segregacionistas. O sistema de estratificação vigente na
Índia era o de castas, dividido em brâmanes (proveniente da cabeça do Deus Brahma e
composta por sacerdotes), kchatriyas (originária dos braços e integrada por militares ou
por guerreiros), vaicyas (decorrente do ventre e conformada por comerciantes ou por
burgueses) e çudras (procedentes dos pés e composta por operários e por camponeses).
Eis o espírito da estratificação social por castas, soldado por significativos fatores
intermentais: privilégios para os puros e deveres para os impuros. E a mais profunda
exclusão social para os párias e demais integrantes das cerca de cinco mil subcastas, em
uma sociedade capacitada a esculpir a beleza maiúscula da sabedoria espiritual de O
Bhagavad-Gita, cujo divino prêmio reservado a todo aquele liberto do mal, destituído
de malícia e plenificado na fé, é escutar que “há de atingir a sagrada região dos de ações
justas”. 40
A China, por sua vez, encontrou no sinismo o seu território religioso
fundamental, centrado na veneração aos ancestrais, primeiro, maternos e só depois,
paternos. Maternos, quando da relevância do trabalho feminino na tecelagem. Paternos,
em razão da emergência proeminente da labuta masculina do ferreiro41. Animistas, os
espíritos, para os chineses, governam a vida do mundo. Os espíritos dos ancestrais,
cultuados em família e merecedores de evocação, de oferendas e de reverência, são os
principais, seguidos pelos espíritos da terra, das águas, das montanhas e das florestas42.
O Céu (Yang, masculino) se sobrepôs à Terra (Yin, feminino). O Soberano, que é o Filho
do Céu, oficia as cerimônias dos rituais tradicionais no Templo do
Céu e, à luz do poder que lhe foi conferido pelo direito divino, procede à regulação do
universo43, que será confirmado (abundância) ou infirmado (cataclismas) pelo mundo
natural, unificando as ordens da realidade: da natureza ao Estado, passando pelas esferas
social, política e moral. É a Ordem Total44.
Confúcio e Lao-Tsé são personalidades do século VI a.C., a revelar
que o confucionismo e o taoísmo não possuem a longitude das raízes históricas do
sinismo. E, muito menos, o budismo chinês, que ali difundiu a sua presença, sobretudo,
a partir do século II d.C., tornando-se, mais tarde, um fenômeno nacional45. Confúcio
negava a metafísica e afirmava a ética. Foi o Mestre que procedeu à revisão do sinismo,
ainda que ponderasse: “Tentei simplesmente descrever (ou sustentar) a antiga tradição, e
não criar algo novo”46. O espírito do confucionismo, de acréscimo reverencial à tradição,
logo transpareceu: “Apenas quero chegar à verdade e adoro os estudos antigos”47. Se se
pudesse resumir a formulação de Confúcio, dir-se-ia que a piedade filial é o caminho
para a benevolência universal48. O Mestre, com um sentido pedagógico de desafio
formativo, de superação do homem natural, recomendava: “Pague o bem com o bem,
mas o mal com a justiça”.49 Crédulo no princípio da reciprocidade, Confúcio estatuiu a
sua regra de ouro: “Não faça aos outros o que não quer que lhe façam”.50 Máxima que,
por si só, poderia ser o fundamento de uma visão filosófica do direito.
Na hipótese de Confúcio, de um direito amputado da dimensão
subjetiva, desde que reconhece para o homem deveres para com os semelhantes, os
superiores e a sociedade. Ausência de direitos subjetivos compaginada na recomendação
de subordinação aos superiores: submissão do jovem ao velho, do filho ao pai, da
mulher ao marido, do amigo ao amigo e do súdito ao príncipe51, segundo prescrevia
Confúcio. E neste particular, não estava sozinho, pois, se o taoísmo se contrapunha ao
confucionismo, convergiram ambos na disciplina social, prescrevendo a obediência
como a regra das regras da vida em sociedade. Tudo em conformidade com um espírito
despótico presente nas realezas arcaicas religiosas e guerreiras, que confirmou a si
mesmo quando do advento do Império centralista e burocrático nos milênios seguintes,
com o seu estatismo tirânico52.
Lao-Tsé, que era metafísico, contraposto ao positivismo de Confúcio,
acreditou que a síntese das virtudes estava em ser econômico, modesto e piedoso. Eis a
razão por que recomendava que o homem de vida simples e retraído tivesse como
legenda a disposição de fazer sempre o bem, mesmo para aqueles que lhe faziam o
mal53. Sem espaço para a afirmação do indivíduo, louvando a inação, acreditando na
firme serenidade como guia do universo, buscando se apoderar do Absoluto e discutindo
a arte de governar, o taoísmo difundiu com eloqüência a idéia de que o mundo se
conquista se fazendo coisa alguma em todas as esferas da vida, inclusive, a jurídica:
“Quanto maior número de leis, maior quantidade de ladrões e saqueadores”. 54 E a água,
mais uma vez, foi levada para o moinho dos súditos cumulados de direitos, sem o
mínimo recurso aos direitos subjetivos. Bastante em si mesmo seria o meditado êxtase.
O budismo em si, migrando da Índia para a China, ali desembarcou
entre III e II a.C., tornando-se mais visível a partir do século II d.C., até começar a coleta
dos frutos da sua difusão no século V da cristandade. Repudiado na Índia em virtude da
vigência do bramanismo, o budismo encontrou na China, em diálogo sincrético com o
taoísmo, terreno mais do que fértil, que se completou com a sua penetração no Japão,
onde a doutrina do Mestre dos Deveres enfrentou a tradição xintoísta, somada à presença
do confucionismo japonês.
E o Egito do rio e do deserto, fechado em si mesmo e aberto ao
mistério, sempre receptivo à sagrada sabedoria e, contudo, cuidadoso na transmissão do
conhecimento hermético? A pluralidade de deuses egípcios está vinculada a uma
sofisticada gramática desejosa de explicar a vida, o homem, o mundo, a natureza, o
destino e a secreta compreensão cósmica dos seres e das coisas. Todavia, dos deuses
egípcios ninguém poderia esperar que fossem motores imóveis ou chaves explicativas do
universo, guardando distância da tessitura concreta do convívio humano em sua
cotidiana e elaborada manifestação. Deuses abscônditos, dos quais fosse razoável
declarar que não passaram de instrumentos para a interpretação da vida do mundo,
tratando agora, à sombra da sua ausência, de transformá-la. Não. Foram -os egípciosdeuses
de intervenção55, com uma proximidade vital tamanha com o homem, que este
supunha que um pedaço desta ou daquela divindade morava em si.
Reconhece-se como evidência da sofisticação intelectual a que
chegaram os egípcios, a formulação de uma concepção pessoal de Deus56: força, poder
ou energia superior, revestida, porém, com atributos humanos. Aquilo que, mais tarde,
chegou a parecer tipicamente grego – ou seja, deuses dotados dos defeitos humanos e
homens destituídos das virtudes divinas – já fora, de há muito, egípcio. Grego, sim, e
expresso na narrativa do historiador Diodoro da Sicília: a contenda musical entre Apolo
(lira) e Mársias (flauta), em Misa, frente a uma comissão julgadora. Na primeira rodada
a ária de Apolo perdeu para a dupla flauta de Mársias. Provida a apelação, Apolo
derrotou o seu contendor, acrescentando ao som da lira a sua doce voz na segunda
disputa. Argumentou Mársias que restava em desvantagem, ao confrontar a flauta com a
arte ao dobro da voz e da lira do seu desafiante. Apolo protestou, ao garantir que, assim
como Mársias, recorria só à boca e aos dedos. No terceiro episódio, a demanda musical
foi resolvida em favor de Apolo, que não se contentou com os louros da vitória:
“Indignado da ousadia de Mársias, o deus esfolou-o vivo”.57
Eis o Deus Apolo, a evidenciar a fúria de um mortal prepotente e
vingativo. Não bastava que Mársias e a sua flauta fosse vencidos. Tinha o músico – que
ousara, por um fugidio momento, alcançar o êxito, e, em seguida, questionara o
procedimento, para novamente concorrer em busca do sucesso – que receber o mais
virulento martírio, até sucumbir na sombra do Vale da Morte. Os deuses egípcios,
emocionados, jantavam, pensavam, guerreavam, falavam, viajavam de barco e,
dependendo de quais, nadavam de braçadas na bebida alcoólica, fossem masculinos ou
femininos. E, como estavam dentro das pessoas, em relação de total intimidade, não
faltaram aqueles que passaram a conferir a responsabilidade de suas escolhas e de suas
atitudes aos deuses, que deveriam responder pelas mulheres e pelos homens possuídos,
espécies de vítimas ou escravos das divindades58. Este escapismo foi combatido e
notícias registradas em papiros religiosos do período ramessida são precisas, quando
remetem para uma só fonte a responsabilidade pelas atitudes humanas: de vez a vez, a
“vontade de um indivíduo”.59
A genealogia dos deuses era complexa no antigo Egito, terra em que,
livrando as divindades da responsabilidade pelos cometimentos de homens e de
mulheres, registrou-se sensível avanço quanto à legitimação do indivíduo como ser
autônomo ou entidade distinta, na esfera simbólica, dos atores plurais reinantes nas
concretas formas coletivas de vida: tribais e clânicas, estatais e imperiais. Ali, pelo
menos na dimensão sígnica, o indivíduo, ao ser considerado culpado ou responsável
pelos seus cometimentos, em paralelo, foi um instrumento para a absolvição dos deuses
e um veículo para o seu autônomo reconhecimento como ser diverso da tribo, da família
ou do Estado. Deuses egípcios que estão personificados por Rá, o Deus-Sol, Osíris, Deus
dos Mortos, esposo de Ísis, Amon, Deus do Ar e da Fecundidade; Ísis, Deusa Mágica,
esposa de Osíris; Anúbis, Deus Protetor dos Embalsamadores; Néftis, irmã de Ísis;
Hátor, Deusa da Alegria e do Amor; Haro, filho de Ìsis; Set, Espírito do Mal e Tot, Deus
da Sabedoria60.
Toda e qualquer tentativa de redução da gramática sagrada do universo
egípcio, a simples controles concentrários de poder, a serviço de senhores, sacerdotes e
Faraós, como salvaguarda elitista de interesses de exclusiva expressão material61,
fracassará. Evidente que a dinâmica tessitura dos Códigos Divinos, de maneira
inexorável, recebeu, em todos os tempos e em todos os espaços, os influxos da vida
concreta, sobre a qual buscou conformar o exercício ativo da autoridade do sagrado.
Seria equívoco imaginar que o universo da fé passou, intangível, pelas hierarquias
sociais egípcias e seu espírito de casta, dentro de um Estado unificado desde 3000 a.C.,
pelo Rei Namer, que superou a divisão que vinha de cerca de 5000 a.C., em Reinos do
Baixo Egito (ao norte) e do Alto Egito (ao sul)62. Escravos, camponeses, artesãos,
estrangeiros, arquitetos, matemáticos, contadores, coletores, astrônomos, escribas,
militares, sacerdotes e Faraós, sem dúvida, se relacionaram de maneira tensa, múltipla e
complexa com o fenômeno da fé, que não se esgotou, como não se esgota, na captura
política, real ou pretensa, do seu significado por círculos, camadas, segmentos ou elites
sociais.
Hapshepsut, Akhenaton, Nefertite, Tutancâmon, Ramsés II e Ramsés
III pretenderam ser Deuses Imortais, no exercício superpotente do Poder e da Autoridade
na teocracia egípcia? Se, antes de César, César já reivindicava ser Deus, quase sempre
prometendo a realização de Têmis, isto é, da sonhada Justiça63, nada do exposto
impugna ou embarga a verdade mística, poética, metafísica, molecular, respiratória e
existencial da fé. Ainda mais porque, segundo uma compreensão liberta de preconceitos,
entre as referênciais da existência religiosa, estão a Verdade e a Justiça, as quais, ainda
que sujeitas a todas as vicissitudes da vida do mundo, também pautaram os caminhos da
fé, querendo, em certo sentido, colocar a moldura no quadro. Em O Livro Egípcio dos
Mortos há uma passagem reveladora das exigências morais, éticas e espirituais da fé,
quando um postulante à salvação se apresenta como puro frente ao Grande Deus.
O candidato, ao se auto-retratar, nos termos de um ideal de conduta,
como agente do bem a merecer o premio da salvação, esculpiu na estela a presença da
religiosidade como manifestação jurísgena de disciplina da vida social. Não praticara o
mal, fraudando a Justiça e a Verdade, não oprimira, não fraudara, não abominara, não
prejudicara, não matara, não roubara, não poluíra, não fornicara, não furtara e não
exaltara a si em detrimento das manifestações de Deus. Poupara, em síntese, criados,
servos, camponeses, desvalidos e anônimos, podendo reivindicar para si, como sinais de
merecimento, as bandeiras magnas de que não causara dor, não provocara a fome a
homem algum e não tirara o leite da boca das crianças, bem como, não acrescentara com
roubo ou com fraude terra alguma e não levara para si o gado que estava nos pastos. Eilo,
enfim: “ Não mexi nos pesos da balança (para enganar o vendedor). Não li errado o
que indicava a balança (para enganar o comprador)”. 64
Ultrapassado o Papiro de Nu, em seguida, pode ser chamado à colação
o Papiro de Nebseni, em que, triunfante, o escriba ponderou que não cometeu
iniqüidade, não roubou com violência, não praticou violência contra qualquer homem,
não roubou, não assassinou homem ou mulher, não aligeirou o alqueire e não agiu com
fraude65. Pertence ao Papiro de Anhai as garantias de que não furtou as coisas
pertencentes a Deus, não proferiu falsidades, não furtou comida, não disparou palavras
más, não atacou homem algum, não matou os animais pertencentes a Deus, não saqueou
as terras aradas, não se intrometeu em assuntos alheios, não semeou discórdia, não
assacou infâmias, não explodiu em cólera, não conspurcou a mulher do próximo e não
despertou medo em ninguém66. Do Papiro de Anhai, agora não mais com vinte, mas com
vinte e dois Juízes dos Mortos, emergiram pronunciamentos de que não poluiu as águas,
não promoveu julgamentos precipitados, não provocou o choro em homem algum, não
maltratou a ninguém, não fornicou com homem, não provocou embates, não profanou
tempos e estações sagradas e, sobretudo, não ficou “surdo às palavras da justiça e da
verdade”67.
Havia uma simbiose entre religião e moralidade na cosmovisão
egípcia68, a buscar a conformação da consciência social para a disciplina da convivência
humana. E, menos por mecanismos jurídicos estatais, porém, mais pelo que de
normativo existe no Código Sagrado organicamente vinculado a uma moralidade e a
uma eticidade, ali houve o estabelecimento de um elevado desafio para o agir humano
segundo a Verdade e a Justiça, em uma sociedade de natureza desigualitária. Religião de
salvação, a egípcia, que direcionou toda a imanente existência para o mais além, o outro
mundo e a infinita dimensão do invisível: a transcendência, enfim. E que, de
refinamento em refinamento, de sutileza em sutileza, desenvolveu o vértice da visão da
vida do mundo, em consonância com a esfera do sagrado, desde uma compreensão
ternária da pessoa como força vital (Ka), essência moral (Ba) e espírito a ser
transfigurado mais além (Akh)69, até a postulação da existência de uma ordem cósmica,
ou sinfonia universal, a envolver os deuses, os mortos e os espíritos, com os quais tinha
o Rei - regente da sociedade – compromissos ritualísticos a resgatar70.
Egito da mumificação do corpo e da imortalidade da alma; da Esfinge,
o mais enigmático monumento da história da humanidade, a não se decifrar e a devorar
o tempo; das Pirâmides de Ghizé, o seu campo magnético, a sua perspectiva do
horizonte71 e a sua definição como torres de comunicação cósmica; da construção do
sentido da vida pela consciência da morte como ponte, trânsito e passagem; da
descoberta mais substantiva do tempo, com a tentativa de construção da resposta do
infinito e da eternidade; da escultura, em cada estela, das vísceras da percepção
metafísica dos seres e das coisas, a transcender o tempo em pedra e em sonho; da magia
e da razão; do mistério e do cálculo; do oráculo e da transposição de rochas maciças; de
Atum, companheiro do Criador72 e dos guerreiros e sacerdotes, que Herôdotos descreveu
como detentores do privilégio da detenção de doze lotes de terras destituídas de
tributos73; das demais classes (ou castas), para as quais o deslumbrado historiador grego
não encontrou privilégios, a saber, vaqueiros, porqueiros, negociantes, intérpretes e
barqueiros74; das águas, que nenhumas palavras jamais expressarão, do rio Nilo; e
finalmente do Faraó, filho de Deus que queria ser Deus, que era Rei e era Sol e devia ser
a personificação do Faraó Supremo, o criador do mundo, mas que tinha como dever dos
deveres “fazer elevar-se a Justiça até aquele que criou a Justiça75”.
Egito senhor de uma refinada compreensão que uma expressão
resume: Ex nihilo nihil, De nada, nada. Ou seja, esta sinfonia cósmica não pode vir do
nada. Isto é, este universo em expansão não pode vir do nada.
A religiosidade egípcia constitui um universo complexo – com
remissão pluralista ao infinito dos continentes moral, ético, jurídico, político, artístico e
filosófico – no sentido da precedência histórica substantiva que a confirmou e a definiu.
Religiosidade que resguardava o Faraó, reservando-lhe o especial papel dialógico de,
participando da regência cósmica dos seres e das coisas, em sintonia com os deuses, ser
ou poder vir a ser divino, antecipando uma aspiração transtemporal de César (Poder), de
ter o monopólio do caminho para Têmis (Justiça), por transcender, como Deus
(Sagrado), todo o tempo e todo o espaço. Deus, por reinar transcendendo a precariedade
do humano. Ramsés II, conhecido como o Soberano dos Soberanos e cultuado na mesma
sintonia da esfera do sagrado em que estavam Amon, Rá e Ptah, transformando a
trindade de deuses em um perfeito quarteto76, é um exemplo acabado do duplo nó do
tapete argumentativo ora tecido.
Ramsés II experimentou a façanha singular de, Faraó da XX dinastia,
ter reinado de 1279 a 1213 a.C., ou seja, sessenta e seis anos, em uma das mais longevas
vivências do poder da história da humanidade. Compreendeu Ramsés II o significado do
exercício do Poder e da Autoridade em seu Egito resultante, do Sudão à Síria, de
conquistas imperiais: ser o provedor de todas as gentes, nutrindo-as e sustentando-as,
pois governar, na essência, “confundia-se com o conjunto dos ritos cuja finalidade tem
como ponto de convergência o bem-estar geral e a grandeza do país”. 77 Sociedade
enigmática, a egípcia, com seus sacerdotes, vizires, guerreiros e escribas, médicos,
arquitetos, burocratas e mercadores, agricultores, marinheiros, artesãos, operários,
estrangeiros e escravos, em que, com certeza, era difícil e enganoso, muitas vezes, tornar
idênticas a grandeza do país e o bem-estar geral, encontrando o seu desafiante ponto de
convergência. Entretanto, a conformação de um tecido simbólico desta natureza, por si
só, já constituiu uma poderosa intervenção a estabelecer possíveis coordenadas, no
mundo real e concreto das práticas sociais em diálogo com a dimensão do sagrado:
“oferendas, ritos diários, cerimônias e festas, mas também a elevação e a construção de
monumentos sagrados”. 78 Ora, o compromisso de elevação da Justiça à altura do
Criador da Justiça, não pode ser estatuído impunemente na sociedade egípcia.
E não o seria, em qualquer sociedade, de qualquer tempo histórico.
Estabelecido o propósito na esfera ideacional, a retórica que o reveste tem que fazer, no
mínimo, certo sentido perante o evolver tumultuário da realidade. Ramsés, por exemplo,
em egípcio significa ‘Criado pelo Deus-Sol’79. A sustentabilidade simbólica de tamanho
nexo frasal, em que César é criado por Deus e em que César quer, ou vai, ser Deus,
compromete o seu manuseio com a produção relativa de determinados graus, de suposta
evidência de veracidade no fulgor, no aceno, no apelo da gramática dos sinais na prosa
concreta da realidade. Talvez a situação jurídica da mulher na história faraônica,
especialmente de Ramsés II, possa ter significado uma aparente contraprova da
magnanimidade do Soberano dos Soberanos, a confirmar e a consentir que o gênero
feminino dispusesse da plenitude da capacidade legal na sociedade egípcia. Disposição
da massa patrimonial, ajuizamento de demandas, presidência judicante dos conselhos de
aldeia, realização de negócios mobiliários, contratação de força de trabalho e
estabelecimento de disposições testamentárias, eram, ali, permissivos legais à disposição
das mulheres80.
O espelho não pode apenas difratar a imagem, necessitando, em
alguma e sensível medida, retratá-la, projetá-la e multiplicá-la. Se o Faraó é o eleito dos
deuses, definido com um ser extraordinário, cuja sobrenatural capacidade o investe da
condição de criador complementar da obra sagrada na Terra81, por uma questão de
economia simbólica do mínimo princípio da pertinência, como diria Pierre Bourdieu82,
nada mais razoável do que esperar a Luz daquele que foi criado pelo Deus-Sol: Ramsés
II. Esse Faraó trabalhou para esculpir na estela da história “a glória do deus Ramsés – o
Soberano dos Soberanos”.83 De onde a dimensão imperial da grandeza egípcia, da
economia à política, da administração à cultura, da arquitetura à religião, a sinalizar para
uma era sem paralelo, porque entregue à paz, promotora do fausto e a serviço da
prosperidade84, tudo, por suposto, a comprovar a procedência e a veracidade da filiação
do ‘Deus’ Ramsés ao Deus-Sol e a todos os deuses da corte celestial, fulgurantes na
sagrada constelação. O circuito de signos, desta maneira, ficava com a sua cadeia de
sinais fechada, do enunciado do Deus-Sol à revelação do ‘Deus’ Ramsés, construindo
um sentido energético positivo de alta voltagem para a sua vigência, passível de existir,
entretanto, em qualquer hipótese.
Para a conquista de uma compreensão superior do que significava
equiparar o Faraó a Deus no antigo Egito, é necessário que se revele a que concepção da
divindade chegaram os egípcios. Nada melhor do que ser ciceroneado por Hermes
Trismegisto, o Três Vezes Grande, vinculado algumas vezes à Santíssima Trindade, mas
relacionado também à divindade lunar Tot, o pai criador das artes e das ciências. Hermes
Trismegisto, o sábio da Ciência Hermética, havido por não poucos como um Rei do
antigo Egito, que escreveu tratados esotéricos, ou, ainda, como um místico do período
alexandrino, a realizar o sincretismo das cosmovisões egípcia, grega e judia. O
magistério de Hermes junto a Asclépios, eloqüente em si mesmo, quanto à sua
ressonância metafísica, ora é chamando à colação:
1. “Dios no es nada de todo esto, sino la causa de todo en general y de
cada ser en particular. El no há dejado nada al no-ser; todo ser viene de lo que es y no de
lo que no es. La nada no pude convertirse en algo; está en su naturaleza el no poder ser.
La naturaleza del ser, por el contrario, es la de no poder dejar de ser”.85
Deus não é nada de tudo isto, senão a causa de tudo em geral e de cada
ser em particular. Ele não deixou nada para o não-ser; todo ser vem do que é e não do
que não é. O nada não pode converter-se em algo; está em sua natureza o não poder ser.
A natureza do ser, pelo contrário, é a de não poder deixar de ser.
Comentário: De Parmênides a Martin Heidegger e a Jean Paul Sartre, a
preocupação com o Ser, a sua origem, o seu sentido e o seu destino, encontrou no
caminho da reflexão universos conceituais desafiantes como Deus, Tudo, Nada, Algo,
Tempo, Morte e Não-Ser, que constituem presenças intemporais no inquieto cogito do
Homem, perante o evolver nada simples do xadrez da vida no labirinto da existência. Os
egípcios deitaram a sua pedra fundamental neste debate eterno.
2. “Dios no es la Inteligencia, sino la causa de la Inteligencia; no es el
Espíritu, sino la causa del Espíritu; no es la Luz, sino la causa de la Luz. Los dos
nombres bajo los que hay que honrar a Dios son apropriados solo para El y para ningún
outro. Ninguno de ésos a los que se llama dioses, ninguno de los hombres ni de los
espíritus (demonios) puede, de ningún modo ser llamado bueno: este título solo es
propio de Dios. El es el Bien y no otra cosa”.86
Deus não é a Inteligência, senão a causa da Inteligência; não é o
Espírito, senão a causa do Espírito; não é a Luz, senão a causa da Luz. Os dois nomes
sob os quais há que honrar a Deus são apropriados só para Ele e para nenhum outro.
Nenhum desses aos quais se chama deuses, nenhum dos homens nem dos espíritos
(demônios) pode, de nenhum modo ser chamado bom: este título só é próprio de Deus.
Ele é o Bem e não outra coisa.
Comentário: De Platão a Santo Agostinho e a Hegel a tradição
espiritualista tem enfrentado o problema da natureza de Deus, encontrando possíveis
respostas na Luz, no Amor e no Ser Absoluto. Nesta trajetória, há de ser resgatada a
presença de Santo Tomás de Aquino e instaurada a figura de São Francisco de Assis,
com vetores direcionados para a busca de uma definição mais racional ou mais
emocional de Deus. De qualquer maneira, a sabedoria egípcia, ultrapassando o
totemismo, o animismo e até mesmo o politeísmo, deixou consignada nos autos que
Deus não é a Luz, o Espírito ou a Inteligência, mas a causa da Inteligência, do Espírito e
da Luz, em ensinamento metafísico que aproveita a Platão, Santo Agostinho, Santo
Tomás de Aquino, São Francisco de Assis e a Hegel.
3. “Pero para Dios el Bien no es una dignidad, es su naturaleza. Dios y
el Bien son solo una y misma cosa y el principio de todas las demás; porque lo propio de
la bondad es el dar todo sin recibir nada. Ahora bien, Dios da todo y no recibe nada.
Dios es, pues, el Bien y el Bien es Dios”.87
Mas para Deus o Bem não é uma dignidade, é sua natureza. Deus e o
Bem são só uma e mesma coisa e o princípio de todas as demais; porque o próprio da
bondade é o dar tudo sem receber nada. Agora bem, Deus dá tudo e não recebe nada.
Deus é, pois, o Bem e o Bem é Deus”.
Comentário: Nas questões 2, 3 e 4 da Suma Teológica, a preocupação
capital de Santo Tomás de Aquino, versada em treze artigos, foi a de discutir a
existência, a simplicidade e a perfeição de Deus. Ele existe, é evidente e é
demonstrável? Será Ele um corpo com forma material, o mesmo que sua essência (ou
natureza) confundida com o seu ser? Ele está neste ou naquele gênero, com ou sem
acidentes, em sua aparente simplicidade? Ele está na composição de outras coisas, como
ser perfeito no qual as perfeições de todas as coisas estão? Podem, afinal, as criaturas se
assemelhar a Deus?88 A Sabedoria egípcia, distinguindo dignidade e natureza, buscou
encontrar o atributo singular de Deus, que foi Espírito Universal, com Amun e Deus-Sol,
com Aton89, com capacidade, porém, de -como o Um do Primeiro Instante- realizar em
si “o desenvolvimento da mônada divina após a diferenciação dos elementos do
mundo”.90
A chegada da compreensão da esfera do sagrado segundo a celebração
do Aton Vivo, com o culto do Deus-Sol, constituiu o alcance de um patamar fraterno e
universal para a experiência da fé compartilhada. Amenofis IV, no século XIV a.C., na
XVIII dinastia, procedeu de maneira favorável à afirmação do monoteísmo e transferiu
de Tebas, controlada pelos sacerdotes de Amon, para Akhet-Aton, a nova capital, a sede
do Governo. Amenofis, que significa ‘Amon está Satisfeito’, foi trocado para Akhnaton,
que corresponde a `Esplendor de Aton’.91 E a casta sacerdotal vinculada ao culto de
Amon, não se rearticulou em torno do Aton Vivo, com o qual, em qualquer quadrante de
qualquer latitude, o homem de fé poderia se relacionar diretamente, sem necessidade de
intermediação de uma burocracia espiritual. Aton Vivo era a Luz, a Energia, o Princípio
Vital, propiciatório, como “realidade e símbolo” da “ religião da Vida Universal”.92 Ele,
o Sol, Razão de Todo Ser - Causa da Luz, da Energia e do Princípio Vital, condição
natural do Bem, a tudo conceder sem nada receber - enquanto precedente ao Um do
Primeiro Instante. Sol Real e Deus-Sol, a realidade e o símbolo, a imanência e a
transcendência, enfim, ali reunidos o Senhor do Egito, de todo o mundo e dos mundos
todos.
Akhenaton dedicou ao Deus-Sol, ao Aton Vivo, autênticos poemas em
prosa, em que o encontrou anteposto à gênese de todos os seres e todas as coisas,
elevado para iluminar países e nações do mundo, com a fulgurante capacidade de, das
alturas, descer e espargir a sua presença junto a terras e a gentes universais. O
nascimento do Sol foi festejado nesse hinário sagrado como o demarcar das atividades
construtivas da vida, com o homem, vencida a escuridão pela claridade, a trabalhar, em
concomitância rítmica com gado, ervas, árvores, prados, pássaros, ninhos, cabras, aves,
vôo, ar, navios, águas e peixes. Realidade e símbolo de vida, ao Sol Akhenaton conferiu
o poder de alimentar a criança respondendo pela energia no seio materno e a suficiência
para instaurar o ar no ovo em que fermenta uma promessa de pássaro. Não somente Sol
Real, todavia, Deus-Sol criador da terra, do homem e tudo o mais que existe e perpassa a
terra, existe e divaga na amplidão. Aton Vivo e luminoso, contemplado por todos e, em
paralelo, a resplandecer sobre e para toda a Terra93.
Eis a imagem de Deus – imago Dei – reverenciada no Egito: Pai da
Vida e provedor da igualdade, da alegria, do amor, da liberdade e das idéias morais93 a
que todo Homem e o Homem todo deviam, universalmente, responder em sua inspirada
e luminosa conduta. Uma percepção sem preconceito logo compreenderá que, à
condição de Faraó (Poder), passou a corresponder, em uma sociedade desigualitária, o
mínimo dever de compromisso com Deus (Sagrado), que engendrou a exigência
simbólica de promoção de Têmis (Justiça). A corrupção do exposto, em contrapartida,
sugeriu que o Faraó (Poder), fosse vendido no mercado de signos como dotado de
absoluta similitude com Deus (Sagrado), permitindo que, em uma sociedade
desigualitária, pudesse realizar a manipulação de Têmis (Justiça). De onde, em qualquer
hipótese, o significado culminante de Ramsés II, o Soberano dos Soberanos, imagine-se,
criado pelo Deus-Sol: nada mais, nada menos... César (Poder), nascido da fornalha de
Deus (Sagrado) para realizar a prestação de contas de Têmis (Justiça) a Deus (Sagrado),
no cumprimento do eterno retorno. Sim, porque do julgamento Divino ninguém
escaparia, em personalidade, vontade e consciência94.
O fascínio do fenômeno do Poder e da Autoridade, em sua
manifestação concentracionária, talvez sobreviva, soberano, a toda e qualquer rivalidade
na história da vida social. A condição de Faraó, esse César antigo, personificou a
experiência do Poder e da Autoridade condensados em grau máximo, tornado, com
efeito, obsedante objeto de desejo. Exemplificava-o em profundidade a Faraona de
Tebas, Hatchepsut, pertence à XVIII dinastia, que foi registrada entre os séculos XVI a
XIV a. C., e que reinou de 1505 a 1484, contra todas as evidências de que o antigo poder
egípcio era masculino. Hatchepsut, que significa ‘O Primeiro dos Príncipes’95, preservou
o vínculo essencial de Tebas com o culto do Deus Amon e pode, prestigiando a
burocracia religiosa, ter à sua disposição o concurso da confirmação teológica da tese de
que o seu fora, de maneira muito especial, um “nascimento divino”96. A
sobrenaturalidade reivindicada por Hatchepsut, Faraona no mundo dos Faraós, permitiu
que, cooptada a casta sacerdotal, passasse a, como se assexuada fosse, “encarnar
plenamente a função do deus vivo”. 97
As autênticas dinastias sacerdotais souberam, sob o Deus Amon,
retirar o máximo de proveito da proximidade de que desfrutavam com o poder, Faraó a
Faraó, desde que esses Césares antigos foram os primeiros entre os integrantes do clero:
chefes de igreja, cabeças da religião. As castas sacerdotais receberam em doação
territórios, plantaram Cidades-Templos, acessaram a cargos públicos, controlaram
funções de Estado e participaram da partilha de despojos, sob o beneplácito do Faraó,
que era o Príncipe do Estado e do clero. Com a Faraona Hatchepsut não foi diferente.
Dotada de ancestral tecnologia de poder, a Faraona de Tebas sabia como conferir
funcionalidade a uma verdade instrumental: a de que é o Faraó o Senhor das Dádivas –
“título e, portanto, riqueza e glória”. 98 A filha de Tutmósis I, o qual reinou entre 1530 e
1520 a.C., jamais se interessou pela particular situação do gênero feminino, e, agindo
segundo os ditames da realização pessoal da sua vontade de poder, soube realizar a
cabala das alianças necessárias para a cristalização de um emblema: o de que era um
“ser divino, nem homem nem mulher, mas filha dos deuses”. 99 Vitoriosa no mundo dos
Faraós, que depois a cobriria com as cortinas de fumaça e de silêncio, a Faraona
Hatchepsut, ali, foi “a única mulher a dar ordens em todo o Egito”. 100
Akhenaton e Nefertite vivenciaram ao reverso a sedutora experiência
do Poder e da Autoridade, ao confrontarem com a absorvente casta sacerdotal de Tebas,
cujo vínculo orgânico era com o Deus Amon. O casal solar, no exercício da sua
afinidade eletiva com o Aton Vivo, retirou de Tebas a condição de centro místico do
Egito, deslocando-o para Tell el-Amarna, a Cidade do Sol, situada entre Mênfis e Tebas.
A intermediação sacerdotal foi dispensada, reivindicando o Faraó, em si mesmo, o
cumprimento do trabalho missionário de dilatar a fé em Aton no Egito e no mundo. Só o
Faraó, por suposto, era conhecedor do mistério de Deus. François Daumas explicou o
porquê da exclusividade em questão: “0 rei era jurídica e metafisicamente o herdeiro e
lugar-tenente do único criador”.101 O estatuto do direito divino é que fundamentava,
como âncora que ninguém podia disputar, a eleição do Faraó como o Único do Único: o
Único guardião do fogo sagrado do Único Deus da Luz. Akhenaton foi eloqüente na
produção simbólica da sua ligação direta com Deus. “És tu quem cria o mundo. Todos te
vêem reinar nos céus, ninguém te conhece, à exceção de mim que sou de tua carne; que
sou teu filho”102. Ei-lo: Faraó - carne da carne de Deus.
A idéia do homem perfeito - porque merecedor da eleição dos deuses -
é ancestral. Com o Faraó foi diferente: no universo sinalagmático, Akhenaton deixou de
ser homem e passou a ser Deus. Homem era Guilgamech, da Mesopotâmia, perfeito em
seu corpo arquitetado pelos deuses. O deus da tempestade, Adad, conferiu a Guilgamech
coragem, depois que o glorioso Sol, Chamach, o presenteou com a beleza. Se o colégio
de deuses decidiu tornar o herói da epopéia dois terços Deus e um terço Homem, talvez
o distintivo supremo de que foi merecedor coubesse em uma palavra: conhecimento. De
onde a portentosa apresentação do Rei de Uruc: “Era sábio, viu mistérios e sabia coisas
secretas”.103 A sabedoria dos mistérios e das coisas secretas do Egito, encontrou em O
Oráculo ou o Livro dos Destinos, um repositório perduradouro da dimensão mágica,
com poder encantatório sobre Napoleão Bonaparte nos tempos modernos, cumprindo,
nos tempos antigos, um papel de revelação ética, jurídica e disciplinar:
Seria equívoco, decerto, tanto garantir que tudo não passava de retórica
manipulatória da dinastia de Faraós, quanto advogar que ali houve a realização avançada
da Justiça pela casta teocrática. O problema foi de distinta natureza. Ao instaurar na
esfera do sagrado o fundamento do Poder e da Autoridade, a dinastia dos Faraós de
origem divina realizou a própria queda no laço simbólico e retórico que entreteceu para
si e para o convencimento de outrem. Devotada, acreditando e servindo ao culto, a casta
teocrática, enredada, pagou tributo ao escudo ético com o qual revestiu a sua presença
dominante no mundo profano, desde que procedente do mundo sagrado, que realiza a
fundação de sua autônoma verdade. Ferreira Gullar colocou, em mais uma paradisíaca
cidade inventada, o poeta de renome que escrevera: “a visão da Justiça é um prazer
somente de Deus”. 105 Eis o ponto de aguda sensibilidade do problema em discussão:
instaurada em Deus - o Senhor da visão da Justiça - a origem do Poder e da Autoridade,
o Faraó, ao reivindicar a condição de Deus, ou de filho de Deus, ao Senhor passou a ter
que prestar contas simbólicas em matéria de Justiça, legitimando a presença do valor dos
valores em uma sociedade de profundo sentimento desigualitário.
“1. A Justiça é cega mas, nem sempre surda; porque em muitos lugares gosta de ouvir
o doce tilintar do ouro e da prata”; 2. “Deus te protegerá numa causa justa”; 3.
“Mediante uma conduta honesta, progredirás com toda a certeza”; 4. “Procede
sabiamente, age com justiça, e não perturbes os juízes da terra”; 5. “Não penses em
felicidade enquanto não tiveres reformado tua própria conduta”; 6. “Evita a lei, como
o farias com a peste”; 7. “A lei é uma espada de dois gumes que não deixará de te ferir
se caíres dentro de seu alcance”; 8. “A lei tem pouca coisa a oferecer ao litigante:
vencerás a causa, mas as custas serão maiores que o resultado obtido”; 9. “Está escrito
que encontrarás os bens do outro; mas estás no dever de devolvê-lo a seu legítimo
dono”; 10. “Sê teu próprio advogado”; 11. “Não te submetas a arbitragem, mas aceita
o veredicto de um júri honesto”; 12. “Sê justo por amor à justiça, e não para seres
elogiado pelos pósteros”; 13. “O homem com quem te casaste conquistará grande
poder: - ensina-o a usá-lo com justiça”; 14. “Não manches teus louros com atitudes
injustas”; 15. “Procede com prudência e justiça e serás feliz”; 16. “Quando tiveres
atingido as culminâncias do poder, não permitas que a injustiça provoque a tua
queda”; 17. “Os que há muito suspiram pela liberdade vão conquistá-la brevemente”;
18. “Tens inimigos que se não forem contidos pelo temor à lei, cravarão um punhal
em teu coração”; 19. “A tirania será brevemente afogada no abismo de sua própria
iniqüidade”; 20. “Que a prudência e a justiça sejam teus guias, e serás bem sucedido
em todos os teus empreendimentos”; e 21. “Distribui na tua terra com justiça e
caridade a riqueza que ganhaste no exterior”104.
Se o Faraó pretendeu ser ou vir a ser Deus, o angustiante problema da
Justiça não pode mais parecer estranho ao exclusivo detentor do prazer de contemplá-la
(e celebrá-la, realizando a sua exaltação, promoção, edificação e partilha). Uma ‘obra
justicialista’, sujeita a todos os vieses de casta, passou a ser devida pela dinastia de
Faraós, fenômeno em si mesmo auspicioso, que contribuiu, no espaço cotidiano concreto
das relações sociais, para conferir alguma substância à hipótese do estabelecimento de
um curso civilizatório, comprometido com a guarda de uma superior proporção no
convívio entre os seres humanos desigualitários. O Egito era, por definição, o espaço
ordenado e adequado para a referida emergência, em virtude da sua condição de
protótipo do Estado Nação na história106, podendo espraiar, como espraiou, o fio
condutor de relações materiais e espirituais complexas, permeados pelo código
desafiante e desafiado da Justiça.
Nada do exposto, entretanto, pretendeu apresentar a problemática
civilização egípcia como equacionada em sua relação com o valor Justiça. Quem
compulse o enredo do conto do antigo Egito intitulado “As Advertências do Sábio”, logo
compreenderá o grau de inquietante conflito social nele manifestado. Ali apareceu
retratada uma sociedade em crise profunda, colocada na rubrica da loucura. Transbordou
o rio Nilo e, tudo às avessas, os campos não foram cultivados. As mulheres ficaram
estéreis, os homens padeceram de doenças fatais, os impostos deixaram de ser pagos, a
multidão passou a ser perigosa e o abismo se tornou visível. As castas dominantes do
passado declinaram socialmente, conhecendo a faminta e desonrosa miséria. As liteiras
douradas, os paiós de trigo, os tecidos suntuosos, as arcas com tesouros e as paredes com
mil espelhos se tornaram propriedade dos pobres descamisados e descalços, causando
preocupação ao sábio Ipuwer quanto ao futuro, pela paralisia que envolveu todas as
fronteiras do Reino.
Com a estabilidade perdida, o sábio Ipuwer foi ao palácio conversar,
em busca de uma atitude do provecto Faraó, que o recebeu a contragosto. Ao reverso da
realidade concreta, o visitante constatou que o ambiente palaciano parecia um lago
plácido, com o Rei recebendo notícias distorcidas dos que o auxiliavam, em especial,
por parte de seus conselheiros. Disposto, se necessário, a se sacrificar pela verdade, pois
era um intelectual, Ipuwer denunciou ao Faraó as mentiras ali estabelecidas, enquanto os
Templos eram profanados, os assassinatos se tornavam fatos corriqueiros e ele, o Rei,
passava a ser o principal responsável pelo estado de coisas calamitosas instaladas no
Egito. “Sabedoria, inteligência e direito estão contigo, mas tu deixas o país presa da
desordem”.107 Sublinhe-se que a ascensão das castas dominadas e a decadência das
castas dominantes, apostrofada como desordem das hierarquias sociais, foi
compreendida sob a ótica da lesão e da subtração ao direito, na sua dimensão hereditária,
costumeira e conservadora.
O sábio Ipuwer, consciente de que perderia a sua vida, resolveu
provocar em grau máximo a reação do Faraó, ao revelar também a densidade do seu
preconceito social: “Ninguém mais respeita tuas ordens. O país gira como o torno de um
oleiro e tu nada fazes”.108 E completou, imperativo: “Age já, restabelece a ordem, se
ainda podes fazê-lo!”109 O fogo da cólera subiu ao rosto do Faraó, indignado com a
tortuosa atitude dos seus conselheiros que, enganando-o, o afastaram da realidade
objetiva. Moral da estória: o Rei, resolvido a recuperar o seu Reino, agradeceu a
sinceridade de Ipuwer e o convidou a auxiliá-lo “a trazer o Egito de volta à
normalidade”.110 Resumo da ópera: o saber, segundo o Faraó, deve estar a serviço do
poder, as hierarquias sociais devem ser respeitadas e o sentido sábio e inteligente das
instituições jurídicas é o de conservação da ordem estabelecida, sem questionamento e
sem transformação. O lugar social do Faraó (o ápice da pirâmide de Pareto111),
determinou a sua consciência social (favorável à manutenção dos privilégios das castas
teocráticas dominantes).
Mircea Eliade considerou corriqueiro na história religiosa o processo
de transmissão de símbolos divinos112. A transmigração em questão foi, em particular,
generosa com o Egito dos deuses Ísis, Osíris e Serápis. Na Roma do século IV, com o
misticismo cristão em ascensão, se Serápis se transfigurou em Júpiter, divindade
predileta dos monoteístas, Ísis foi a Madona cultuada em missas113, por ser a mãe de
Horo, o Deus Menino e permitiu a celebração de Maria, mãe do Menino Jesus,
concebido sem pecado114. O cristianismo absorveu a simbologia do paganismo quanto
ao Natal, de 24 para 25 de dezembro, festejado em Alexandria do Egito em honra do
nascimento do Deus Menino Horo, filho de Ísis: “Exultai! A Virgem concebeu, a luz
triunfa”115. O nascimento do Ano Novo, ou a festa da Epifânia, era celebrado de 5 para 6
de janeiro115, que passou a ser o Dia dos Santos Reis, também chamados de Reis Magos.
No dia 25 de dezembro havia a consolidada tradição, na bacia do
extraordinário Mar Mediterrâneo, de festejo do nascimento do Sol, como símbolo de
renovação da vida, remissivo, decerto, para a persa Deusa Mitra, a do Sol da Salvação.
Árvore já havia com o visco dos druidas, na Gália e com o abeto, ou pinheiro, na
Germânia, bem como no culto ao Messias de Israel, cujo advento é comemorado dia 25
de dezembro, portando Ele um ramalhete de visco e a árvore de Natal116. Quanto ao
Carnaval, na origem foi uma festa romana do mês de março, na qual o currus navalis, o
barco de rodas levava a imagem da egípcia Deusa Ísis, que protegia os marinheiros, os
quais a saudavam com recurso à burla, à farsa, ao canto e à dança, antecedendo-a com a
alegria consentida dos travestis momescos, mas cercando-a também com a sacralidade
mística das liturgias117.
Tem procedência a argumentação de H. e H. A. Frankfort, de que
constitui um esforço estéril seccionar metafísica, política e ética no pensamento egípcio,
cuja abordagem especulativa compaginou o Universo (sua natureza), o Estado (sua
função) e a Vida (seus valores)118, constituindo uma decisão temerária desconsiderar a
sutil e fascinante complexidade nele estampada. Não tem razoabilidade, por sua vez, a
proposição de John A. Wilson, de que os egípcios não tiveram a ciência da Babilônia, a
teologia de Israel e a razão, seja da Grécia, seja da China, pois, como Moisés, teriam
vislumbrado a Terra Prometida sem jamais realizarem o cruzamento do Jordão, legando
ao mundo, sem filosofia, artes, arquitetura, organização governamental e um senso
geométrico da ordem119. Não compreendeu John A. Wilson que, sem ciência, sem
teologia, sem razão e sem intuição filosófica, não haveria, entre os egípcios, artes,
arquitetura, organização governamental e senso geométrico da ordem, em ambiente
teológico de Estado com Poder e Autoridade de direito divino dinástico.
Sócrates não vacilou em declarar que, do conhecimento dos Mistérios,
nasciam sentimentos esperançosos perante a morte. Já Aristóteles reconheceu que não
era gratuita a grandeza da Grécia, repousando nos Mistérios Eleusianos a sua
sustentação. Confessaram-se iniciados na Sabedoria Hermética em que os egípcios
foram pródigos, personalidades como o orador Aristides, o dramaturgo Sófocles, o poeta
Esquilo, o legislador Sólon, os filósofos Cícero, Pitágoras e Heráclito de Éfeso e o lírico
Píndaro120, autor entusiasta das Odes Triunfais. Os referidos representantes do
racionalismo grego e romano, sem preconceitos, beberam nas fontes sapienciais de um
conhecimento vital, em busca da sintonia entre o íntimo e o cósmico, demarcado por
sete caminhos, sete degraus e sete lições.
Os caminhos das Muitas Moradas, da Via do Deserto, da Rua onde
Brotam Flores Vermelhas, da Subida para as Altas Montanhas, da Descida nas Cavernas
Obscuras, da Trilha do Eterno Errar e o da Via da Quietude Silenciosa. Sete. Os degraus
das Lágrimas, da Oração, do Trabalho, do Repouso, da Morte, da Vida e da Entrega.
Sete. E as lições do Prazer, da Dor, do Ódio, da Ilusão, da Verdade, do Amor e da
Paz121. Sete. Com todas as sínteses dos caminhos, dos degraus e das lições conduzindo
para a Quietude Silenciosa, à Entrega e ao Amor na Paz. Helena P. Blavatsky, com a sua
maestria reconhecida, considerou o setenário o alicerce da ordem natural do universo.
Sete as cores, os sons, as gradações do éter, os oceanos, os radicais, os princípios, os
raios solares, os resplandecentes, os rios sagrados, as grandes ilhas e o magnetismo
cósmico122. O caráter que Blavatsky identificou como sétuplo na ordem cósmica, tem,
com efeito, radical presença na simbologia mística.
Sete as chaves das alegorias bíblicas, os deuses criadores dos hindus e
dos egípcios, os mundos de Maya, os ramos do saber e os anjos da presença123. Hans
Biedermann qualificou o sete na elite sagrada dos números no orientalismo religioso, a
começar pelos demônios sétuplos do discurso acádico-sumérico. Sete os braços do
candelabro judaico e as Igrejas do Evangelho de São João, bem como as taças da ira e os
chifres do dragão. Sete os sacerdotes com chifres sétuplos de carneiro, rodando do
primeiro ao sétimo dia os muros de Jericó, que caíram depois de rodeada a cidade sete
vezes. Sete santos imortais da Pérsia antiga, a ordenação vital da mulher na China (sete
vezes dois, menstruação e sete vezes sete, climatério), os demônios de Maria Madalena
no Evangelho de São Lucas e, no mundo medieval, os dons do Espírito Santo, as artes,
as virtudes, as ciências, os pecados capitais, os sacramentos, as idades do homem e os
pedidos expressos no Pai Nosso124.
Mais do que sete, infinitas foram as possibilidades de trânsito e de
desembarque da tradição sapiencial advinda das antiguidades orientais, em particular, no
mundo grego. Do afro-asiático Egito decorreram vetores ressonantes tanto na
mundividência hebréia, quanto na cosmovisão grega. A visão de mundo egípcia
engendrou uma filosofia da natureza, na medida em que o Aton Vivo, presente no
processo do mundo, constituiu a Luz genesíaca primordial, regente, abstrata e vital em
sua capacidade de perpassar, subjacente, todas as ordens da realidade, enquanto o seu
princípio unificador, globalista e construtor de sentido. Como o seu princípio ordenador,
a sua verdade, a sua justiça e a sua ordem cósmica. Como a sua maat125, enfim. Egípcia
visão de mundo que articulou uma filosofia moral nas Instruções dos Escribas,
disseminando referenciais éticos a exemplo da humildade, da coragem, do silêncio, da
honradez, da discrição, da generosidade, da moderação, da amabilidade, da justiça, do
exato manuseio da palavra e do domínio de si mesmo na vida familiar, no convívio
comunitário e na dinâmica do Estado126, que é uma força de intervenção na sociedade.
Egito que, decerto, ultrapassou o recorte histórico delineado por Georg
Wilhelm Friedrich Hegel, segundo o raciocínio subseqüente: houve uma transição do
espírito egípcio para o conceito grego. Foi, porém, interna, pois, àquela altura, de
maneira histórica evidente, o império persa realizou a passagem externa para o mundo
grego, depois de reduzir o Egito à condição provincial127. O império persa sucumbiu ao
mundo grego, em seguida, preparando o modelo de mudança política que conduziria,
mais tarde, à transição do império grego para o mundo romano e deste para a hegemonia
germânica128. Em determinado sentido, para Hegel o Egito representou uma possante
‘patologia histórica’, diagnosticada por sua percepção eurocêntrica do mundo, satisfeita
em resgatar a fábula grega de que, em Tebas, a imorredoura Esfinge perguntara: “O que
é que, de manhã, anda com quatro pernas, à tarde, com duas e à noite, com três?”129 Só
um grego – Édipo – soube desfazer o enigma, vencendo a Esfinge, ao responder: “O
homem”. 130
Em que residiria a suposta ‘patologia histórica’ do Egito, em uma
leitura hegeliana? De maneira direta e compacta, na mundividência egípcia ter-se-ia
realizado uma química extraordinária, todavia, falaciosas, na qual a Natureza ? foi
interiormente aprendida pelo Pensamento ? que equacionou o desafio de sua
Existência ? ao se refinar na sutileza da Consciência Humana ? elevada à sublime
dimensão da Iluminação Espiritual. O endereço da falácia, para Hegel, estaria no
contraponto crítico ora exposto: a Consciência Humana ? para ser uma expressão
autêntica da Iluminação Espiritual ? tem que, necessariamente, ser portadora de uma
especial Sabedoria ? qual seja, a do compromisso, quanto aos próprios atos, referente
a seu Sentido Finalístico ? negado e renegado, na esfera dos valores, pela Teocracia
dos Faraós, a recorrer às mais Atrozes Violências ? mais do que reveladoras, sem a
mínima dúvida, da real Ignorância ? que é totalmente antagônica à efetiva Sabedoria
e que é absolutamente antitética ao Sol da Moral. Em síntese: para Hegel, a despótica
Ignorância que, por hipótese, existiu no Egito, pode até ser Natureza, mas jamais foi
Pensamento, à falta de “leis civis” e de “liberdades políticas” para “reconciliar-se com o
belo espírito”.131
Quase concessivo, Georg Wilhelm Friedrich Hegel procedeu ao
pagamento de tributos à abstração do pensamento religioso judaico e ao fogo subjetivo
da visão de mundo egípcia, para considerar que só com os gregos, mergulhando nas
águas profundas e sublimadas de si mesmo e do fio condutor da história, vencendo as
cadeias das particularidades e libertando-se na universalidade, o espírito conquistou a
“livre individualidade”.132 A Instrução de Ptahhotep retratou um Egito mais maleável,
em que, pela educação, era plausível acreditar na hipótese de mobilidade social133 e, em
paralelo, no mundo judaico, houve a preparação gradativa da possibilidade de
emergência do indivíduo, com a compreensão crescente do agir humano como conduta
segundo a responsabilidade134. De mais a mais, o pensamento religioso em estado de
pureza e de abstração, que Hegel reconheceu como típico de Israel, no sentido
antecedente, o Egito prefigurou e manifestou com o Deus Aton, o Aton Vivo,
influenciando o mundo hebreu. A Instrução de Amenemope, objeto de exegese pelo
egiptólogo alemão A. Erman, em 1924, é uma contraprova da ascendência da
religiosidade egípcia sobre o judaísmo e o cristianismo, em particular, sobre o Livro da
Sabedoria, o Livro dos Provérbios e a Carta aos Romanos, do que a seguinte passagem é
uma irrefutável evidência135:
Provérbios Amenemope
Escuta as minhas palavras, aplica o teu
Coração (22,17).
Apresta o teu ouvido...
apresta o teu coração (1).
Pois e agradável
Guardá-las no teu peito (22,18a).
Descansem no cofrezinho do
teu peito (1).
Não escrevi para ti
Trinta (preceitos),
Cheios de conselhos
Ciência? (22,20)
Olha para estes trinta capítulos,
Eles informam e educam (30).
A Instrução de Amenemope, em seu prólogo, esclareceu a sua
pretensão de ser escrita para a vida em felicidade, reclamando o seu autor louvores e
prêmios, pois reivindicou para si a condição de pai do “melhor de todos os livros”, que
deveria ser “reconhecido como um mestre” valoroso, “perito em seu ofício” e “digno de
ser um cortesão”.136 Eis a mobilidade social reivindicada. E também a profunda
proximidade com o magistério bíblico: “vê um homem perito em seu ofício, estará a
serviço dos reis, não estará a serviço de gente vulgar”, segundo o Livro dos Provérbios
22:29, em mais do que transparente demonstração de que Hegel, ainda que notável, em
virtude do seu eurocentrismo, laborou em equívoco. Fundador de escola, porém, o
mestre do Estado Prussiano inspirou Bertrand Russel a considerar que, do Egito e da
Babilônia, por falta de ambiência social e de gênio autóctone, não nasceram nenhumas
ciência e filosofia137. Da complexa sabedoria egípcia, em particular, decorreram ciências
e filosofias fecundas e ressonantes. Pode e deve ser aplicado ao Egito aquilo que “O
Cântico do Nilo” reservou ao grande rio, celebrando-o: “Regas a terra em toda a
parte”.138 A começar pela Grécia, que recepcionou até a teodicéia egípcia, com o seu
substrato não somente teológico, porém, densamente filosófico.
REFERÊNCIAS
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(2) Id. Ibid., p. 5.
(3) Id. Ibid., p. 9.
(4) Consultar a respeito CORRÊA, Rossini. Crítica da razão legal. 2ª Edição. Rio de
Janeiro, América Jurídica, 2004, p.7 e ss. E também CORRÊA, Rossini. Jusfilosofia
de Deus. Brasília, Primogênitos de Deus, 2005, p. 5 e ss.
(5) PERLA, Mariano. Cidades antiguas. Buenos Aires, Editorial Atlântida, 1951, p. 9.
(6) Id. Ibid., p. 10.
(7) Id. Ibid., p. 19.
(8) Id. Ibid., p. 20.
(9) Id. Ibid., p. 20.
(10) Id. Ibid., p. 15.
(11) RUSSELL, Bertrand. História do pensamento ocidental. Rio de Janeiro, Edi-
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(12) ARISTÓTELES, Política. Brasília, Editora Universidade de Brasília, 1988, p.15.
(13) Consultar a respeito SCHIMITT, Carl. Teologia política. Belo Horizonte, Del Rey,
2006, p. 11.
(14) HAMMURABI, Rei da Babilônia. O código de Hammurabi. Petrópolis Vozes,
1976, p. 26.
(15) Id. Ibid., p. 46.
(16) PERLA, Mariano. Cidades antiguas. Buenos Aires, Editorial Atlântida, 1951, p.
23.
(17) Id. Ibid., p. 23.
(18) LOS PRIMEROS CÓDIGOS DE LA HUMANIDAD. Madri, Editorial Tecnos,
1994, p. 59.
(19) Id. Ibid., p. 59.
(20) Consultar a respeito o livro que preparou o advento de Domenico de Masi:
LAFARGUE, Paul. O direito à preguiça e outros textos. Lisboa, Editorial Estampa,
1977, p. 223 s.
(21) LOS PRIMEROS CÓDIGOS DE LA HUMANIDAD. Madri, Editorial Tecnos,
1994, p. 103.
(22) MUMFORD, Lewis. A cidade na história: suas origens, transformações e
perspectivas. São Paulo, Martins Fontes, 1991, p. 11.
(23) GARCIA, Pericat e MOTES, Maluquer de. A humanidade pré-histórica. Lisboa,
Editorial Verbo, 1971, p. 111.
(24) Id. Ibid., p. 114.
(25) Id. Ibid., p. 134 e ss.
(26) Id. Ibid., p. 135.
(27) Consultar a respeito MYRES, Sir. John lo. El amanecer de la historia. Buenos
Aires, Fondo de Cultura Econômica, 1950, 199 p.
(28) Consultar a respeito VERCOUTTER, Jean. O Egito antigo. São Paulo, Difusão
Européia do Livro, 1974, 129 p; VERCOUTER, Jean et aliu. Poblamientos del
anticuo Egipto y deseiframeientos del la escritura meroítica. Unesco, Paris, 1983,
155p; CLARK, R. T. Rundle. Mitos e símbolos do antigo Egito. São Paulo, Hemus,
s/d, 272 p; e MENU, Bernadette. Ramsés II soberano dos soberanos. São Paulo,
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(29) WHITE, Jon Manchip. O Egito antigo. Rio de Janeiro, Zahar Editores, 1966, p.23.
(30) KENIEN, Kathleen. La città più ântica del mondo. MILANO, Pellegrino e
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(31) DUPLESSY, Lucien. El espíritu de las civilizaciones. Madrid, Taurus, 1959, p.
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(32) KRAMER, Samuel Noah. A história começa na Suméria. Portugal, Publicações
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(33) DELAPORTE Y Huart. El Iran antiguo (Elam y Persia) y la civilización irania.
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(34) JOSEFO, Flávio. História dos hebreus . Rio de Janeiro, CPAD, 1990, p. 93.
(35) ZIMMER, Heinrich. Filosofias da Índia. São Paulo, Editora Palas Athena, 1986,
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(36) CHALLAYE, Félicien. As grandes religiões. São Paulo, IBRASA, 1981, p. 59.
(37) KAUTILYA. Arthashastra. Brasília, Editora da Universidade de Brasília, 1994, p.
19.
(38) Id. Ibid., p. 48.
(39) Consultar a respeito WITTFORGEL, Karl. Le despotisme oriental. Paris, Les
Editions de Minuit, 1964, 672p.
(40) YUTANG, Lin. (Organizador). “O canto do Senhor abençoado Smimad-Bhagavad
Gita”. In: A sabedoria da China e da Índia. Rio de Janeiro, Irmãos Pongetti
Editores, s/d, v. 1, p. 121.
(41) CHALLAYE, Félicien. As grandes religiões. São Paulo, IBRASA, 1981, p. 96.
(42) Id. Ibid., p. 96.
(43) Id. Ibid., p. 97.
(44) Id. Ibid., p. 97.
(45) Id. Ibid., p. 98 e ss.
(46) YUTANG, Lin. (Organizador). “Os aforismos de Confúcio”. In: A sabedoria da
China e da Índia. Rio de Janeiro, Irmãos Pongetti Editores, s/d, v. 2, p. 266.
(47) Id. Ibid., p. 266.
(48) CHALLAYE, Félicien. As grandes religiões. São Paulo, IBRASA, 1981, p. 100 -
1.
(49) YUTANG, Lin. (Organizador). “Os aforismos de Confúcio”. In: A sabedoria da
China e da Índia. Rio de Janeiro, Irmãos Pongetti Editores, s/d, v. 2, p. 279.
(50) Id. Ibid., p. 282.
(51) GILISSEN, John. Introdução histórica ao direito. Lisboa, Fundação Caloieste
Gulbenrian, 1995, p. 111.
(52) GERNET, Jacques. O mundo chinês. Lisboa – Rio de Janeiro, Edições Cosmos,
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(53) CHALLAYE, Félicien. As grandes religiões. São Paulo, IBRASA, 1981, p. 103.
(54) YUTANG, Lin. (Organizador). “Laotse, O livro de Lao”. In: A sabedoria da China
e da Índia. Rio de Janeiro, Irmãos Pongetti Editores, s/d, v. 2, p. 54.
(55) SHAFER, Byron E. (Organizador). As religiões do Egito antigo. São Paulo, Nova
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(56) Id. Ibid., p. 27.
(57) Apud MÉNARD, René. Mitologia greco-romana. São Paulo, Opus Editora, 1991,
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(58) SHAFER, Byron E. (Organizador). As religiões do Egito antigo. São Paulo, Nova
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(59) Id. Ibid., p. 180
(60) ÉVANO, Brigitte. Contos e lendas do Egito antigo. São Paulo, Companhia das
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(61) DONINI, Ambrogio. Breve história das religiões. Rio de Janeiro, Civilização
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(62) ÉVANO, Brigitte. Contos e lendas do Egito antigo. São Paulo, Companhia das
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(63) Consultar a respeito CORRÊA, Rossini. Jusfilosofia de Deus . Brasília, Editora
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(64) BUDGE, E. A. Wallis. O livro egípcio dos mortos. São Paulo, Editora
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(65) Id. Ibid., p. 325.
(66) Id. Ibid., p. 326.
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(68) SHAFER, Byron E. (Organizador). As religiões no Egito antigo. São Paulo, Nova
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(69) Id. Ibid., p. 179.
(70) Id. Ibid., p. 157.
(71) Consultar a respeito NELSON, Dee Jay e COVILLE, David H. A força da vida nas
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(74) Id. Ibid., p. 142.
(75) APUD CHALLAYE, Félicien. As grandes religiões. São Paulo, IBRASA, 1981, p.
50.
(76) MENU, Bernadette. Ramsés II soberano dos soberanos. Rio de Janeiro, Objetiva,
2002, p. 23.
(77) Id. Ibid., p. 57.
(78) Id. Ibid., p. 57.
(79) POLO, Alberto Briceño (Seleção). 2000 nombres e su significado. Peru, Los
Libros. Mas Pequenos del Mundo, 2006, p. 398.
(80) MENU, Bernadette. Ramsés II soberano dos soberanos. Rio de Janeiro, Objetiva,
2002, p. 115.
(81) Id. Ibid., p. 27.
(82) BOURDIEU, Pierre. A distinção: crítica social do julgamento. São Paulo:
EDUSP; Porto Alegre: Zouk, 2007, p. 440 e ss.
(83) MENU, Bernadette. Ramsés II soberano dos soberanos. Rio de Janeiro, Objetiva,
2002, p. 126.
(84) Id. Ibid., p. 127.
(85) LOS LIBROS DE HERMES TRISMEGISTO. Barcelona, Vision Libros, 1981,
p. 77.
(86) Id. Ibid., p. 78.
(87) Id. Ibid., p. 78.
(88) Consultar a respeito AQUINO, Tomás de. Suma teológica. São Paulo, Edições
Loyola, 2003, v. 1, os. 161 a 192.
(89) CLARK, T. Rundle. Símbolos e mitos do antigo Egito. São Paulo, Hemus Editora,
s/d, p. 14.
(90) TRAUNECKER, Claude. Os deuses do Egito. Brasília, Editora UNB, 1995, p. 139.
(91) CHALLAYE, Félicien. As grandes religiões. São Paulo, IBRASA, 1981, p. 54.
(92) Id. Ibid., p. 54.
(93) Id. Ibid., p. 55.
(94) Id. Ibid., p. 59.
(95) FALCÃO, Professor Medeiros. Egito místico. Rio de Janeiro, Bitaurus, 1989, ps.
56 e 57.
(96) FÈVRE, Francis. Faraona de Tebas. São Paulo, Editora Mercuryo, 1991, p. 107.
(97) Id. Ibid., p. 106.
(98) Id. Ibid., p. 97.
(99) Id. Ibid., p. 104.
(100) Id. Ibid., p. 95.
(101) Id. Ibid., p. 104.
(102) Apud JACQ, Christian. Akhenaton e Nefetiti: o casal solar. São Paulo,
Hemus Livraria Editora, 1978, p. 139.
(103) Id. Ibid., p. 140.
(104) EPOPÉIA DE GUILGAMECH: a busca da eternidade. São Paulo,
Hemus Libraria Editora, 1995, p. 93.
(105) O ORÁCULO OU O LIVRO DOS DESTINOS. São Paulo, Hemus
Livraria Editora, 1984, ps. 1 a 31. Ou, ainda, O LIVRO DO DESTINO. São Paulo,
Círculo do Livro, 1984, ps. 1 a 31.
(106) GULLAR, Ferreira. Resmungos. São Paulo, Imprensa Oficial do Estado de
São Paulo, 2006, p. 194.
(107) Consultar a respeito JOHNSON, Paul. História ilustrada do Egito antigo.
Rio de Janeiro, Ediouro, 2002, p. 10.
(108) ÉVANO, Brigitte. Contos e lendas do antigo Egito. São Paulo, Companhia
das Letras, 1998, p. 158.
(109) Id. Ibid., p. 158.
(110) Id. Ibid., p. 159.
(111) Id. Ibid., p. 160.
(112) Consultar a respeito PARETO, Vilfredo. Trattato di sociologia generale.
Milano, Edizioni di Comunità, 1964, 2 v., 1932 p.
(113) ELIADE, Mircea. Tratado de história das religiões. São Paulo, Martins
Fontes, 1998, p. 363.
(114) CHALLAYE, Félicien. As grandes religiões. São Paulo, IBRASA, 1981, p.
57.
(115) DONINI, Ambrogio. Breve história das religiões. Rio de Janeiro,
Civilização Brasileira, 1965, p. 99.
(116) Id. Ibid., p. 100.
(117) Id. Ibid., p. 100.
(118) Id. Ibid., p. 100.
(119) Id. Ibid., p. 101.
(120) FRANKFORT, H. E H. A., Wilson, J.A. e JACOBSEN, V. T. El
pensamiento prefilosofico. México, Fondo de Cultura Económica, 1988, p. 44.
(121) Id. Ibid., ps. 162 e 163.
(122) BRUNTON, Paul. Egito secreto. São Paulo, Editora Pensamento,
MCMLXVII, p. 174.
(123) Id. Ibid., p. 269.
(124) BLAVATSKY, Helena P. Glossário teosófico. São Paulo, Editora Ground,
1995, ps. 631 e 632.
(125) Id. Ibid., p. 632.
(126) BIEDERMANN, Hans. Dicionário ilustrado de símbolos. São Paulo,
Companhia Melhoramentos, 1993, ps. 346 e 347.
(127) CARREIRA, José Nunes. Filosofia antes dos gregos. Portugal, Publicações
Europa – América, 1994, ps. 72 e ss.
(128) Id. Ibid., ps. 95 e ss.
(129) HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Filosofia da história. Brasília, Editora
Universidade de Brasília, 1995, p. 184.
(130) Id. Ibid., p. 184.
(131) Id. Ibid., p. 184.
(132) Id. Ibid., p. 184.
(133) Id. Ibid., p. 184.
(134) Id. Ibid., p. 185.
(135) CARREIRA, José Nunes. Filosofia antes dos gregos. Portugal, Publicações
Europa – América, 1994, ps. 72 e ss.
(136) Id. Ibid., p. 179.
(137) Id. Ibid., p. 156.
(138) ARAÚJO, Emanuel. Escrito para a eternidade: a literatura no Egito
faraônico. Brasília, Editora da Universidade de Brasília: São Paulo, Imprensa Oficial
do Estado, 2000, p. 280.
(139) RUSSEL, Bertrand. História do pensamento ocidental. Rio de Janeiro,
Ediouro, 2001, p. 13.
(140) ISAAC, J. e ALBA A., Oriente e Grécia. São Paulo, Editora Mestre Jou,
1964, p. 38.
segunda-feira, 26 de outubro de 2009
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