Ensaio sobre a arte
Aos homens que cultivam as artes
Aos homens que cultivam as artes
Dominado por um enorme amor pela minha arte, a
ela me entreguei completamente. Ao me abandonar
a essa paixão imperiosa, me impus a obrigação de
trabalhar para merecer a estima pública por meio
de esforços úteis à sociedade.
Desdenhei, confesso, limitar-me apenas ao estudo
de nossos antigos mestres. Procurei aumentar, pelo
estudo da natureza, minhas idéias sobre uma arte
que, após profundas meditações, parece-me ainda
estar em sua aurora.
Quão pouco, convenhamos, consagrou-se até
nossos dias à poesia da arquitetura, meio seguro
de multiplicar os prazeres dos homens e de dar
aos artistas uma justa celebridade!
Acredito sim que nossos edifícios, sobretudo os
edifícios públicos, deveriam ser, de algum modo,
poemas. As imagens que eles oferecem a nossos
sentidos deveriam despertar em nós sentimentos
análogos ao uso para o qual esses edifícios são
consagrados.
Pareceu-me que para pôr na arquitetura essa poesia
encantadora à qual ela é susceptível, eu deveria
investigar a teoria dos corpos, analisá-los, procurar
reconhecer suas propriedades, sua força sobre nossos
sentidos, sua analogia com nossa organização. Fico
envaidecido de poder, remontando à fonte de onde
as belas-artes emanam, daí retirar idéias novas e
estabelecer princípios tão mais seguros quanto mais
baseados na natureza. Ó vós que tendes paixão pelas
belas-artes! Abandonai-vos sem reservas a todos
os prazeres que pode nos proporcionar essa paixão
sublime. Nenhum deles é tão puro. Sim, é essa paixão
que nos dá o amor pelo estudo. É ela que transforma
nossas penas em prazeres. É ela que, por meio de
seu fogo divino, devolve ao gênio seus oráculos. É
ela, enfim, que vos chama para a imortalidade.
A vós, que cultivais as artes, dedico esses frutos de
minha vigília; a vós que, com conhecimentos extensos,
fostes persuadidos, sem dúvida com razão, que não
se deve presumir que nos resta apenas imitar os
antigos! Julgais vós mesmos se eu antevi aquilo
que, que eu saiba, nunca antes se tentou ver.
Amigos iluminados das artes!
“Se não pude alcançar o prêmio de tê-los agradado,
Ao menos tive a honra de começar a fazê-lo.”
La Fontaine
Introdução
O que é a arquitetura? Defini-la-ia eu, como Vitrúvio,
como a arte de construir? Não. Há nessa definição
um erro grosseiro. Vitrúvio toma o efeito pela causa.
1. E também sou pintor!
ruma arte secundária, que nos parece conveniente
denominar a parte científica da arquitetura.
A arte propriamente dita e a ciência, eis o que
acreditamos ser necessário distinguir na arquitetura.
A maioria dos autores que escreveram sobre esse
assunto se restringiu a tratar da parte científica.
Isso pareceria natural graças ao pouco que se reflete
a esse respeito. É preciso estudar os meios de
construir solidamente antes de buscar construir
agradavelmente. Sendo a parte científica uma
necessidade primária e por conseguinte a mais
essencial, os homens foram naturalmente determinados
a dela se ocupar em primeiro lugar de modo
particular.
É necessário, entretanto, concordar que as belezas
da arte não são demonstradas como verdades
matemáticas; e ainda que essas belezas emanem da
natureza, para senti-las e delas fazer aplicações felizes,
é preciso ser dotado das qualidades de que a natureza
é avara.
O que vemos em todos os livros de arquitetura? As
ruínas de antigos templos que nossos sábios desenterraram
na Grécia. Por mais perfeitos que estejam,
esses exemplos não são suficientes para substituir
um tratado completo sobre a arte.
Lemos no comentarista de Vitrúvio todos os conhecimentos
que um arquiteto deve reunir. Este,
conforme o comentarista, deve ser universal. Lemos
também no pomposo prefácio de François Blondel
a descrição da excelência da arquitetura. Esse autor
nos conta “que Deus para punir seu povo o ameaça
de lhe tirar seus arquitetos”. Ouvi homens divertidos
exclamarem: é necessário estar entre os predestinados
para ousar abraçar esse estado!
Leitor, vou surpreendê-lo ao afirmar que nesse
pomposo prefácio, assim como no comentarista
de Vitrúvio, apenas não percebo o que se deve
entender por arquitetura. Acrescento que nem um
nem outro desses dois autores tiveram alguma idéia
dos princípios constitutivos de sua arte. Minha
opinião poderá à primeira vista parecer revoltante,
mas minha justificativa é fácil. O que enunciei, li
em um dos dois autores que acabei de citar.
É conhecida a famosa discussão que se travou entre
Perrault, o autor do peristilo do Louvre, e François
Blondel, o autor da porta Saint-Dennis. O primeiro
negava que a arquitetura se baseasse na natureza;
ele a denominava uma arte fantástica e de invenção
É preciso conceber para efetuar. Nossos primeiros
pais construíram suas cabanas apenas após terem
concebido sua imagem. É essa produção do espírito,
é essa criação que constitui a arquitetura, que nós
podemos, por conseguinte, definir como sendo a
arte de produzir e de levar à perfeição todo e
qualquer edifício. A arte de construir não é senão
Arquitetura. pura. Procurando refutar essa opinião de Perrault,
François Blondel utilizou argumentos tão fracos
que a questão permaneceu sem resposta. Quando
chegou minha vez de recolocá-la, não encontrei
ninguém que tenha me respondido de modo
satisfatório. Pelo contrário, vi homens instruídos
abraçando a opinião de Perrault.
E agora, leitor, vos pergunto: não tenho razão, de
algum modo, em afirmar que a arquitetura ainda
está em sua infância, já que não se têm as noções
corretas sobre os princípios dessa arte?
Concordo com todas as pessoas instruídas que, com
tato e sensibilidade, pode-se produzir excelentes
obras. Concordo que, sem estar familiarizado com
os conhecimentos necessários para fazer a
investigação dos princípios de sua arte até suas causas
primeiras, os artistas, guiados por esse dom da
natureza que nos conduz a realizar uma escolha
feliz, sempre serão pessoas hábeis.
Mas não é menos verdadeiro que poucos autores
consideraram a arquitetura sob os pontos de vista
que pertencem à arte. Quero dizer que poucos
autores procuraram aprofundar essa parte da
arquitetura que denominei a arte propriamente
dita. Se temos alguns preceitos fundados sobre
bons exemplos, eles são poucos.
O comentarista de Vitrúvio nos diz que a arquitetura
exige o conhecimento das ciências que têm
relação com a geometria, como a mecânica, a
hidráulica, a astronomia, em seguida com a física,
com a medicina, etc. Ele termina por reclamar o
conhecimento das belas-artes. Mas, observando
que as ciências e as belas-artes têm relação com a
arquitetura considerada como arte, já que, aliás,
Perrault qualifica suas produções de fantasias; que
François Blondel, em sua refutação, não conseguiu
provar o contrário; e que ninguém até o momento
pôde prová-lo, chega-se a desvelar a existência e
a fonte dos princípios sobre os quais se funda a
arte da arquitetura, pode-se, creio eu, sem ser
temerário, concluir que tais princípios permaneceram
ignorados, ou pelo menos não foram desenvolvidos
por aqueles que puderam conhecê-los.
Encontrei pessoas hábeis que me objetaram que a
elevada discussão entre Perrault e François Blondel
degenerou em disputa, com o calor e o espírito
partidário se apoderando deles, nada poder-se-ia
concluir sobre o que eles tinham pronunciado na
ocasião e que, com certeza, Perrault pensava de modo
diverso do que ele tinha dado a entender. Ora, um
dos que assim falavam reconhecia entretanto que a
questão era difícil de resolver. Eu o ouvi ler na Academia
uma memória na qual essa questão era levantada,
embora estivesse longe de ser encerrada.
Ao considerar em conjunto com os arquitetos o
peristilo do Louvre, pude apreender o momento
em que eles admiravam as belezas para simular
um sentimento totalmente oposto. Percebe-se
facilmente que eles exigiam que eu me explicasse.
Então lhes lembrei a opinião de Perrault. Admirem
esta obra, lhes dizia eu; mas o próprio autor admite
que esta obra é pura fantasia e que ela nada tem a
ver com a natureza. Vossa admiração é, portanto,
o resultado de uma opinião particular, e não deveis
vos surpreender por ouvir suas críticas, já que as
pretensas belezas que vós destacais não têm
nenhuma relação com a natureza de onde o
verdadeiro belo emana. Podeis, acrescento, admirar
os meios empregados na construção desse edifício;
eu concordaria convosco que ele é obra do saber e
até do gênio; mas, conforme a confissão do autor,
creio que, quando admirais aquilo que chamais as
belezas da arquitetura, vossa admiração provém
apenas de um costume de ver, sem que exista em
tudo que destacais uma beleza real. Meus colegas
não me respondiam senão balbuciando, ou melhor,
eles não me contestaram e isso não me surpreende.
Quando não se refletiu profundamente a respeito
não é fácil, considerando as belezas do peristilo
do Louvre ou de qualquer outro monumento, poder
explicar em que consistem suas relações com a
natureza. O que me espanta é que não se busque
esclarecer uma questão dessa importância.
Quais são, pois, as razões que impediram os
progressos da arquitetura na parte que temos
denominado a arte propriamente dita? Elas me
parecem muito simples.
Não basta para a perfeição de uma arte que os homens
que a ela se dedicam a amem apaixonadamente. É
preciso ainda que não encontrem nenhum entrave
nos estudos que lhes importa fazer, que seu gênio
possa se elevar livremente a toda sua altura e que
Arquitetura. eles sejam encorajados pela esperança de receber o
prêmio por seus esforços.
Suponhamos agora que alguns progressos comecem
a estabelecer a reputação de um jovem arquiteto
e a lhe obter a confiança do público. Sobrecarregado
então por inúmeras demandas e detalhes de toda
espécie, forçado a se dedicar aos negócios que lhes
são confiados, continuamente ocupado em fazer as
tarefas que solicita a confiança que se lhe atribui,
convertido, em uma palavra, no homem de negócios
do público, o artista é afastado dos progressos da
arte e, por conseguinte, não pode aspirar à verdadeira
glória à qual ele teria podido pretender; não podendo
a ela consagrar todos os momentos necessários, ele
se encontra forçado a abandonar o estudo de sua
arte.
Quer dizer que seria conveniente, para seguir os
estudos puramente especulativos, que o arquiteto
abandonasse os negócios lucrativos? Ai! Quem é
aquele que faria voluntariamente o sacrifício da
fortuna que se lhe apresenta, e até mesmo do que
lhe é necessário? Acrescentar-se-á que esse sacrifício
será compensado pela esperança de um dia ser
encarregado de alguns grandes monumentos? Mas
como se entregar a essa esperança? As
oportunidades são tão raras! Como se gabar, dez
anos antes, que seguramente se estará empregado
pelos homens que, então, ali estarão? Responderão,
talvez, que o homem de mérito tem o direito de
esperar por isso. E eu replicaria: esta justiça lhe
será feita? Tem ele razão de esperar se ver preferido?
Suponho que aqueles que demandam obras têm
a visão correta, as intenções mais puras, e me vejo
ainda forçado a convir que, por falta de
conhecimentos, eles agem freqüentemente às cegas
e que é um feliz acaso quando a escolha recai sobre
um homem hábil. Quantas vezes sua preferência
não foi de acordo com manipulações ignorantes
em detrimento do homem de mérito que sempre
trabalha e nunca faz intrigas!
Oh! Quanto é preferível a sorte dos pintores e dos
literatos! Sem nenhuma espécie de dependência,
eles podem escolher todos os seus temas e seguir o
impulso de seu gênio. É apenas deles que sua
reputação depende. Têm eles talentos eminentes?
Nenhuma força humana pode impedir que eles os
desenvolvam. Que eles se distingam como esses
grandes homens que provocam nossa admiração;
que como Lucrécio, através de expressões inebriantes,
versem em nossos corações as delícias da volúpia,
ou então podendo dizer, assim como Correggio: “E
também sou pintor!”, eles encantem nossas almas
pelas graças exaladas em seus inimitáveis quadros;
que se elevando à altura do gênio de Rafael,
oferecendo a nossos olhares a imagem sublime do
Criador desvendando o caos, eles mantenham em
suspenso todas as faculdades de nossa alma; enfim,
à maneira das imortais estátuas da Grécia, eles nos
ofereçam divindades pela reunião das majestosas
belezas da espécie humana. Que eles venham a fazer
uma feliz colheita no vasto campo que a natureza
lhes deixa à disposição, e seus nomes passem com
brilho à posteridade, assegurando para si mesmos
uma felicidade pura; e cada um deles se encontre
autorizado a dizer: “Eu não devo senão a mim toda
a minha notoriedade”.
Eis as alegrias inexprimíveis e as preciosas vantagens
das quais é privado o jovem arquiteto cujos talentos
permaneceriam encobertos se ele dedicasse todo
o seu tempo ao estudo. Ele é obrigado a se sacrificar
para vir a ser conhecido pelas pessoas do lugar, de
cuja benevolência depende para desenvolver seus
talentos.
Está aí, sem dúvida, uma fonte abundante de dores
agudas e saudades amargas para aquele que tem
paixão pela sua arte; também não me surpreendeu
quando ouvi dizer que, por ter provado as privações
de que falei, um homem muito hábil se entregou
ao mais atroz desespero. Tampouco estranhei que
certos arquitetos me considerassem exagerado, mas
creio poder afirmar que esses homens não teriam
de um arquiteto senão o nome e saberiam reconhecer
a felicidade apenas nas riquezas.
Entretanto, admitamos por um instante que minhas
opiniões, sob certos pontos de vista, sejam falsas.
Atribuamos a um arquiteto a mais favorável sorte,
isto é, talentos, fortuna e mecenas. Aonde poderão
levá-lo essas vantagens tão difíceis de encontrar
reunidas?
Sabe-se que quando o particular mais simples
constrói, ele põe à prova a paciência de seu arquiteto,
cujas decisões é raro que ele acolha. Sabe-se também
que as autoridades que ordenam a construção de
Arquitetura.
monumentos públicos não são em geral mais dóceis
que os particulares. A que se chega então? Que,
para obedecer às ordens superiores, o arquiteto se
vê diante da necessidade de renunciar a belas idéias.
Há mais: supondo-se esse arquiteto um homem muito
hábil, seus projetos serão tão menos acolhidos
quanto seus juízes; não tendo as luzes, não poderão
nem atingir nem apreciar as belezas de suas
produções.
Sim, por não ser compreendido, o hábil arquiteto
provará mil contrariedades desencorajadoras e, se
ele quiser ser mantido, evitará opor resistência; ele
não mais ouvirá a voz de sua alma, ele descerá ao
nível das pessoas às quais tem necessidade de
agradar. Sabendo que esta flexibilidade é difícil de
encontrar no homem superior e como se
demonstrou que muito freqüentemente em arquitetura
é permitido se sujeitar a alma, vê-se, por
conseguinte, que é também muito difícil que um
arquiteto hábil possa produzir uma boa obra.
Que não se espere encontrar a oportunidade de
desenvolver um gênio verdadeiramente superior na
construção de algum desses edifícios públicos, que
deveriam sempre fazer a glória do país onde eles
são erguidos e a admiração dos conhecedores. Caso
se chegue a ser escolhido para iniciar um, conseguirse-
á acabá-lo? Que exemplo desolador atinge nossos
olhos no seio de nossa cidade capital! Há quantos
séculos o Palácio do Louvre foi iniciado? Que se
considere a fachada das Tulherias para o jardim;
que rapsódia ela apresenta? A fachada do corpo
central é de mãos diferentes cujos modos particulares
se distinguem facilmente. Os fundos, assim como
os pavilhões das esquinas, também são de autores
diversos. Esse palácio pode, assim me parece, ser
comparado a um poema para o qual diferentes poetas
teriam feito cada um uma estrofe.
Mas vão me dizer, malgrado tudo isso que se opõe
ao avanço de vossa arte, não temos obras-primas
que constatem todas as belezas e manifestem a
perfeição? Verão minha opinião a esse respeito.
Esperando que eu a enuncie, diria apenas que, se a
arquitetura tivesse atingido a perfeição alcançada
por outras artes e nos oferecido exemplos tão belos
quanto aqueles que elas nos oferecem, não estaríamos
hoje constrangidos a indagar se essa arte pertence
à natureza ou se ela é pura invenção. Certamente,
posso adiantar, sem acreditar chocar alguém, que
nós temos aparentemente necessidade de
demonstração a esse respeito, já que o autor do
peristilo do Louvre não pôde ver nos monumentos
conhecidos senão produções fantásticas. Não saberia
como evitar me apressar em reconhecer que creio
ver uma grande diferença entre as obras-primas de
arquitetura e aquelas que excitam nossa admiração,
seja na pintura, na escultura ou na poesia. Isso é
uma conseqüência das observações que fiz anteriormente
sobre as vantagens do poeta e do pintor.
Esses últimos não foram incomodados na escolha
de suas temáticas; esgotaram todos os temas
enquanto que, por toda a Europa, contamos com
dificuldades alguns belos monumentos de arquitetura.
De modo que quando se queria assegurar
que nossas obras-primas de arquitetura pudessem
igualar às das outras artes, que prova se poderia
dar? Seguramente não se tem tantos objetos de
comparação em arquitetura, e não se pode ter a
medida do sucesso em uma arte senão pela
multiplicidade das tentativas de todo gênero.
Este assunto me lembra uma conversa bastante
singular. Estava eu no campo com um amador e
um jovem pintor. Caminhando juntos, nos
entretínhamos com a pintura; eu comentava com
o amador um dos mais belos quadros de
Wouwermans que tínhamos visto anteriormente.
Como esse quadro me tinha provocado um prazer
extremo, eu o elogiava de modo apaixonado. O
amador permanecia frio. Ninguém é mais exigente
que um homem que, não sendo versado em uma
arte, não imaginando todas as dificuldades que é
preciso aí superar, não tem piedade do artista e
acredita que tudo é possível. Esse amador, fazendome
considerar a natureza, me diz ironicamente:
“Quantas coisas esquecidas por Wouwermans!”
Eu me apressei em lhe responder: “Opondo a
natureza às obras de Wouwermans, vós concedeis
a esse célebre mestre uma homenagem maior que
pensais; acreditais que as obras dos fracos mortais
possam sustentar a comparação que vós me
ofereceis?” “Como! aproximar-se da obra da
divindade! (...) a Divindade!, grita o jovem pintor;
ah! que ela queira descer sobre a terra e se digne
rebaixar-se até empregar apenas os meios aos quais
estamos reduzidos, e vós tereis, Senhor, uma idéia
justa de nossos grandes homens.” Através do delírio
desse jovem, não podemos mais deixar de reconhecer
essa verdade! É que, supondo que não tivéssemos
conhecimento algum dos meios com os quais os
pintores trabalham, e que nunca tivéssemos visto
pintar, se após nos ter mostrado um quadro qualquer,
do qual a verdade impressiona, se nos oferecesse
uma paleta, não poderíamos acreditar que fosse
possível fazer, com tão poucos meios, coisas que
produzem sobre nossos sentidos as mais vivas
impressões. Como imaginar que com cinco ou seis
cores diferentes se possa obter a imensidade de
tonalidades e nuances e todos os efeitos da
natureza? Como é possível que o homem tenha
conseguido fornecer o calor ou o frescor do ar e
produzir a luz; que haja chegado a caracterizar por
meio do desenho as paixões que nos agitam, a
ponto de fazê-las entrar em nossa alma, mostrandoas
vivas sobre a tela?
Talvez se argumente que se os artistas em arquitetura
não adquiriram o alto grau de perfeição o qual,
parece, as outras artes atingiram é que essas, tendo
a vantagem de estar mais perto da natureza, elas
são por conseguinte mais adequadas a agir sobre
nossa alma.
A isso eu respondo que está aí precisamente a questão
que eu tentei resolver; que eu entendo por “arte”
tudo o que tem por objeto a imitação da natureza;
que nenhum autor em arquitetura empreendeu a
tarefa que me impus; e que se eu chegar, como
ouso acreditar, a demonstrar que a arquitetura, em
suas relações com a natureza, tem talvez ainda mais
vantagem que as outras artes, será preciso
necessariamente concordar comigo que, se a arte
da arquitetura não fez tanto progresso quanto as
outras artes, não se deve atribuir senão aos arquitetos,
que eu creio, entretanto, desculpáveis, conforme a
enumeração que fiz dos entraves que foram e ainda
são colocados à perfeição da arquitetura. A Deus
não agrada que eu tenha concebido o projeto de
ofender os distintos arquitetos de meu século; eu
os respeito e os amo. E de acordo com a elevada
opinião que tenho de seu caráter, estou convencido
de que eles entenderão, sem desgosto, a linguagem
de um homem que tem por fim apenas concorrer
aos progressos de sua arte. Se me engano, minhas
opiniões farão mal apenas às minhas luzes; e não
dever-se-á suspeitar de minhas más intenções. Se,
pelo contrário, eu apontei algumas verdades, oh!
com certeza, eu não desgostaria aos homens distintos
de quem a verdade sempre obtém respeito e amor.
segunda-feira, 26 de outubro de 2009
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